6.7.09

cont.

EXT - DIA - RESTAURANTE

[Rick e SIMPSON estão caminhando em direção à mesa.]

BENSON - [V.O.] Durante o almoço, isso mesmo. Ele a leva até um bonito restaurante para almoçarem no Bois.
 

INT - DIA - QUARTO HOTEL BENSON

SIMPSON - Isso é ridículo! Ela simplesmente não iria almoçar com uma pessoa que ela acabou de conhecer na praça. Ele é um... estranho.

BENSON - Srta. Simpson, ninguém é perfeito. Enquanto dançam, dançam, ele pergunta "Por que está triste, enquanto todos estão tão alegres?" e então uma sugestão do estranho misterioso: "Se você tentasse levantar pelo menos um pouco seu lábio superior, poderia ao menos criar a ilusão de um sorriso" [ela sorri desajeitadamente] essa maneira meio desastrosa de aliciá-la faz com que ele tenha agora de usar de todo o seu charme. Você sabe o significado da palavra serendipty?

[SIMPSON balança a cabeça em negativa]

BENSON - Srta. Simpson, eu estou surpreso, essa palavra significa "abrir seus olhos a cada manhã e olhar para o novo dia que brilha e ficar absolutamente abobalhado".

SIMPSON - Serendipty?

BENSON - Certo.

SIMPSON - Você está inventando isso?

BENSON - Não, serendipty é uma palavra verdadeira, ela de fato significa habilidade para descobrir o prazer, a excitação, a alegria em tudo o que acontece, não importando o quanto é inesperado.

SIMPSON - Serendipty.

BENSON - Ele explica para ela o significado da palavra de modo mais fascinante que eu e, no momento certo, propõe que eles tenham um maravilhoso almoço no Bois. Ela fica tentada.

SIMPSON - Claro que está, mas...

BENSON - Srta. Simpson, ele não está pedindo a ela que passe um fim de semana com ele em um motel num Bosque de Bolonha, ele a está convidando para um almoço. Você não acha que, se ele fosse terrivelmente charmoso, ela iria?

SIMPSON - Bem...

BENSON - Serendipty!

SIMPSON - Bem, talvez ela vá, mas se ele prometer que isso não vai passar de um almoço, absolutamente.

BENSON - Ele promete. A não ser, é claro, que ele consiga pensar numa coisa que ela queira fazer depois.

SIMPSON - Ela não vai querer.

BENSON - Sério? Está bem. Então ele chama uma charrete e eles vão a direção ao bosque, combinado?

SIMPSON - Combinado, mas agora vamos escrever isso tudo.

BENSON - De modo algum, a audiência está muito à nossa frente. Eles souberam que ela iria almoçar com ele há uma hora.

SIMPSON - Mas como tiramos eles da praça com todo esse charme, serendipty e todas essas coisas que faz tão bem?

BENSON - No negócio de cinema nós dispomos de uma técnica que cuida exatamente desse tipo de situação: a dissolução. Há muitos anos, o público vem sendo condicionado a entender que, quando uma cena desaparece como um velho soldado em frente de seus olhos e uma outra cena aparece gradativamente para tomar seu lugar, um certo período de tempo passou. Então, srta. Simpson, nós dissolvemos, dissolvemos muito lentamente em direção ao Bois. Uma charrete elegante levando nosso elegante par vai abrindo caminho por entre as quedas d'água e arvores até o magnífico restaurante. Veja, srta. Simpson, como inteligentemente eu vou tocar o nosso suspense melodramático de encontro a um ambiente de feriado que revela uma alegre Paris. Vamos poupar o público de ter que ouvir páginas e mais páginas de conversa chata e vamos diretamente ao âmago da questão, pelo simples uso do recurso que eu acabo de te explicar, a dissolução.


EXT. - RESTAURANTE, DIA

[Gabi e Rick dançando]

GABI - Quem é você e o que você faz?

RICK - Quem sou eu e o que faço... Não sou ninguém e fiz tudo e nada. Dirigi carros de corrida, cacei por uns tempos, toquei piano em um curioso estabelecimento em Buenos Aires, isso e aquilo, tudo e nada. É o destino inevitável de quem nasceu rico.

GABI - Ah, eu entendo muito que quer dizer, sobre o destino daqueles que nasceram ricos. Por essa razão, eu saí do Castelo e vim para Paris, para viver. 

RICK - O Castelo?

GABI - Temos casas pelo mundo inteiro, evidentemente. Mas a minha favorita é a de verão em Dorwill, com meu zoológico particular. Quando eu era criancinha, nas manhãs de domingo, dependendo do meu comportamento, me era permitido dar alimento às girafas.

RICK - [surpreso] Girafas! Não me diga que você também tinha girafas!

GABI - Quer dizer que você teve?

RICK - Mas é claro que tinha!

GABI - Que gracinha, nós dois tivemos girafinhas quando éramos crianças. O mundo é tão pequeno...

[Dissolve. Brinde]

SIMPSON - Ao Rick.

BENSON - A Gabi.

GARÇON - Se eu puder ajudar.

BENSON - Ah, pode deixar, eu prefiro escolher. Teremos finíssimas fatias de presunto cuidadosamente enroladas em volta de fatias de melão da Pérsia; a seguir, uma porção de linguado levemente passado em champanhe e manteiga. Para acompanhar, uma garrafa de...

SIMPSON - Pouilly-Fuissé.

BENSON - Pouilly-Fuissé serve. Queremos um chateaubriant para dois. Prepare esse para quatro, tostado e dourado e ainda bem passado por fora e bem cru por dentro. E com a filé teremos aspargos claros e uma garrafa de Château Lafite Rothschild 47 e para a sobremesa, uma enorme porção de framboesas silvestres.

SIMPSON - [intrometendo-se no bocal do telefone] Servidas obviamente com um creme tão denso que você deve servi-lo com uma pá mecânica, por favor.

BENSON - Você escutou a senhorita, e faça tudo rapidamente, estamos morrendo de fome. [desliga o telefone, a ela] Então, enquanto aguardamos as lâminas de fatias de presunto cuidadosamente enroladas em volta de fatias de melão da Pérsia; a seguir, uma porção de linguado levemente passado em champanhe e manteiga...

SIMPSON - Pára, por favor, eu não agüento mais. Você acha mesmo que eles vão preparar o linguado em champanhe e manteiga?

BENSON - Acho. Em todo caso, enquanto aguardamos, eu imagino que a graciosa senhorita Gabrielle Simpson vai querer acompanhar o talentoso Richard Benson em um leve aperitivo seco. Eu acho que ele está merecendo, acho que os dois estão merecendo.

SIMPSON - Está bem, acho que seria ótimo. Sabe, a princípio eu não gostava do Rick, mas ele está começando a ficar interessante. 

[Dissolve. Mostra a mesa desarrumada, os pratos e copos vazios e sujos. SIMPSON está sentada como se estivesse empanzinada.]

BENSON - Você dizia que o Rick está começando a ficar interessante?

SIMPSON - Ah, sim, muito atraente.

BENSON - Importante a reação do público feminino. Muito bem, o almoço está terminado, os mártinis, os dois tipos diferentes de vinho e o brandy fizeram seu efeito. Um glorioso e emocionante sonho está nascendo entre eles. As páginas, senhorita Simpson, essas que acabamos de narrar com nossa conversa gloriosa. Aqui você vai perceber, como anunciado na discussão de hoje cedo, a abertura, uma série de planos de fotografia muito interessantes e o rapaz e a moça, se é que um desconhecido misterioso de meia-idade pode ser chamado de rapaz, encontram-se...

SIMPSON - [interrompendo-o] Nós não somos de meia-idade, Sr. Benson. Acho até que somos muito bem conservados.

BENSON - Compreendo que isso me envaidece como nunca, srta. Simpson, entretanto, só para continuar, as páginas 8, 9 e 10 de um romântico bate-papo...

SIMPSON - O senhor faz isso tão bem...

BENSON - Muito obrigado, srta. Simpson. Então, você já pode perceber a atração inconsciente entre os dois, os inícios trêmulos do amor. Veja como é fácil quando se tem conhecimento profissional e experiência a seu favor, srta. Simpson, eu não acredito que saiba, mas a vida de um escritor é terrivelmente solitária.

SIMPSON - Sr. Benson, já tem alguma idéia do que vai acontecer em seguida?

BENSON - Você tem, srta. Simpson, alguma idéia do que vai acontecer?

SIMPSON - Não. Devemos nos lembrar que apesar de ele ser terrivelmente charmoso é também um ladrão e mentiroso, está escrito aqui...

[BENSON tenta beijar-lhe o pescoço, mas ela distraidamente dá um salto, sorridente]

SIMPSON - Sr. Benson, eu já sei o que acontece em seguida! O que acontece em seguida é a segunda mudança. A audiência fica sem ar quando constata que foi enganada. Ele a está alimentando com mártinis, vinho branco, tinto, brandy, por uma única razão: fazê-la ficar bêbada! [cambaleando] O que, aliás, ela não está nem um pouquinho, não importa o que ele pense. Então, enquanto ele força um último brandy em seus lábios em desejo... Pobre menina ingênua! Foi chamada e atraída pela idéia de que estaria a salvo nas mãos desse americano elegante e bronzeado. Ai, meu Deus! As coisas não são como parecem ser, não são mesmo. A música torna-se ameaçadora, o misterioso desconhecido...

BENSON morde-lhe de leve o pescoço.

SIMPSON - Quem é ele? Como ele é realmente? Como? E por que ele fica mordendo o pescoço dela o tempo todo?


INT - CAVERNA ARTIFICIAL

[BENSON e SIMPSON estão adentrando a caverna. Um morcego surge, ela grita escandalosamente]

RICK - Não fique assustada, minha querida, é só um morcego. As criaturas da noite são amigas minhas.

[Ela grita, agora assustada por conta dele, que começa a persegui-la]

GABI - Agora eu sei porque você insiste em morder meu pescoço, você é algum tipo de lobo.

RICK - Não, não, minha querida, eu sou um vampiro.

[SIMPSON grita ainda mais alto e aperta o passo. Ambos o fazem.]

RICK - O interior dessas cavernas é o lugar ideal para o meu laboratório.

SIMPSON - [OFF] Há alguma coisa sob esses olhos, ainda que sejam bem avermelhados. A vida de um vampiro deve ser muito solitária. Mas não! Não foi por acaso que ela fez um estudo sobre depravação. Suponho que hajam moças que deixam que um vampiro sugue seus pescoços no primeiro encontro, mas não a nossa Gabi. Ela consegue livrar-se de seu controle e a perseguição começa.

[SIMPSON sai da caverna, atravessa o parque perseguida por BENSON. Dois índios percebem, a perseguição.]

ÍNDIO- Você é pele vermelha?

GABI - Sou.

ÍNDIO - Eu também sou.

[Toca aqui, camarada! E, nesse meio tempo, Rick captura Gabi.]


INT - DIA - QUARTO HOTEL BENSON

[BENSON está deitado no sofá, dormindo. SIMPSON, está falando entusiasticamente]

SIMPSON - Ele a pegou, ele a pegou. Não, Gabi, você não pode desistir agora. Você conseguiu brigar com ele nas cavernas, brigou com ele nas planícies. É isso! Nas planícies! Aviões, perseguição aérea. O rosto dela denota terror! Sr. Benson, Sr. Benson! [acordando-o] Ela o matou! [chorando]

BENSON - [abraçando-a] Ora, ora, srta. Simpson, está tudo bem. Isso deve ser dito em sua defesa, você bebeu demais. De qualquer maneira, ele provocou isso, alimentando-a com essa intoxicante bebida, deixando-a bêbada.

SIMPSON - O que, aliás, não está nem um pouco.

BENSON - É claro que não.

SIMPSON - Mas quando eu penso naquele pobrezinho daquele cavalo, apanhando com aquele chicote terrível. Pensando bem, acho que ela teve uma parcela de culpa em tudo.

BENSON - Que foi que disse?

SIMPSON - Não importa o que ele ia fazer com ela. Eu não entendo por que eu estava fazendo tanta confusão. Ele não se parecia com um tipo de vampiro, não. Eu acho até que ele era muito atraente.

BENSON - Srta. Simpson, eu acho que seria uma excelente idéia se fosse para a cama dormir um pouco.

SIMPSON - Mas e o senhor?

BENSON - Eu vou pensar. Agora, tenha a bondade de recolher-se e deitar-se.

SIMPSON - Bom, talvez se eu dormir algumas horas... Mas e se o senhor tiver alguma idéia e eu sei que o senhor vai ter, prometa que vai me acordar.

BENSON - Combinado.

SIMPSON - Promete?

BENSON - Prometo. Boa noite.

[SIMPSON sobe a escada e sai de cena. BENSON caminha até o telefone e tira-o do gancho.]

BENSON - Telefonista, eu queria uma chamada para o sr. Alex Meyerheim em Cannes. Bem, como é 1h30, você deve encontrá-lo no cassino. Benson, Richard. 

TELEFONISTA- [V.O.] BENSON chamando. 

BENSON - Estou aguardando. [começa a datilografar] "Caro Alex, é meu desagradável dever informar-lhe que 'A garota que Roubou a Torre Eiffel' não irá acontecer. Não há sentido em você vir até Paris para ler o texto porque não há texto. E, como eu posso perceber, não haverá nenhum." Telefonista, por favor, tente achá-lo na sala de jogos, na mesa maior.

[SIMPSON surge, de camisola, para pegar a capa da gaiola do pássaro, deixando BENSON levemente inebriado com sua presença.]

SIMPSON - Me desculpe, eu esqueci de cobrir Richelieu. Ah, Sr. Benson...

[Dissolve.]


INT - DIA - QUARTO HOTEL BENSON

[BENSON enfileira papéis pela sala de forma ordenada. SIMPSON surge e o observa.]

SIMPSON - E eles dançam e dançam e dançam.

BENSON - Infelizmente, srta. Simpson, não estamos fazendo um musical.

SIMPSON - Sr. Benson, o senhor redigiu todas essas páginas ontem à noite, tudo sozinho?

BENSON - Enquanto uns de nós dormiam confortavelmente em suas camas, outros cidadãos mais produtivos trabalhavam extenuadamente no campo das belas artes. Eu só me ressinto que você, a jovem escritora, não estivesse presente para observar com seus grandes olhos mágicos um profissional da antiga em ação. Nessas altas horas eu fui como DiMaggio voltando e voltando e voltando para fazer um ponto. [acerta uma bolinha de papel no cesto de lixo] Eu fui um grande Moretti em Sevilha indo com seus chifres para espetar o inimigo e perdendo, graças a Deus, porque eu não suporto ver sangue. Enfim, Pablo Picasso adicionando cegamente o terceiro olho ao retrato de sua amada. Como é que se soletra "ingênua"?

SIMPSON - I-N-G-Ê-N-U-A.

BENSON - Eu estava com medo disso. Além dos três metros e meio de páginas que eu escrevi ontem à noite, eu descobri alguns erros nas páginas iniciais que tiveram de ser corrigidos. Relativos basicamente ao personagem Rick. Descobri que, num momento de insegurança, subestimei o brilhantismo desse homem. Ele não é só um arrombador de cofres, mas um mestre do crime procurado pela polícia de três continentes. O intrincado esquema foi dolorosamente arquitetado passo-a-passo durante um ano pelo próprio Rick. Os dois outros personagens são subalternos, então, isso nos remete a onde estávamos. A essa hora, Rick e Gabi já haviam devorado um maravilhoso almoço e já são quase 4 horas, momento da chegada do carro.

SIMPSON - Página 14.

BENSON - Agora sente-se [ela senta-se] e segure-se bem. Agora vem a troca da troca. Em um minuto e meio você e o público ficarão chocados ao perceberem que foram enganados. As coisas não são como aparentam ser, não mesmo. De fato, a atuação como um todo é completamente revestida.

SIMPSON - [maravilhada] Sr. Benson.

BENSON - Srta. Simpson, não fique ai sentada me observando em muda adoração, leia o texto.

SIMPSON - [em voz alta] "Rick e Gabi estão sentados com os copos de brandy à sua frente, os grandes olhos mágicos dela estão radiantes."


EXT. DIA - RESTAURANTE

GABI - Não me recordo de ter tido um almoço tão maravilhoso! Não sei como agradecer.

RICK - Por favor... E agora, se me permite, vou lhe contar os planos para o resto da tarde.

GABI - O resto da tarde?

RICK - Exatamente. Eu pedi que meu carro com o chofer estivesse aqui às quatro horas para fazer um tour por Paris e vermos as festividades. Uma parada rápida no meu escritório para pegar um negócio e então direto à festa que está sendo organizada em minha honra no restaurante da Torre Eiffel.

[Garçom surge.]

GARÇOM- Com licença, o senhor é o Rick?

RICK - Sim.

GARÇOM- Ah,o seu chofer está aqui. Ele disse que tem uma importante mensagem para o senhor.

RICK - Ah, obrigado. [a Gabi] Um instantinho, por favor.

[Rick caminha até o carro, François o espera]

FRANÇOIS - São quase quatro horas.

RICK - Eu sei, eu sei.

FRANÇOIS - O que é que há? Você ficou maluco, é? Trazer uma garota conosco num trabalho como esse, rapaz?

RICK - No nosso acordo, meu caro François, é suposto que você dirija e eu planeje.

FRANÇOIS - Mas... é que... Pra que você precisa de uma garota nesse trabalho?

RICK - A habilidade para improvisar com brilhantismo num momento de crise é uma das razões porque eu sou um profissional bem sucedido. Se olhar para sua esquerda, bem atrás de forma mais casual possível, [François vira-se e o vê. Close em Gillet] você vai ver o inseto Gillet tentando estupidamente se esconder atrás do jornal de ontem.

FRANÇOIS - O que estará fazendo em Paris? Você acha que ele suspeita de alguma coisa?

RICK - É claro que não. Eu sempre estou um passo a frente dele. Por que acha que eu peguei a garota?

FRANÇOIS - Bom, por causa daqueles grandes olhos mágicos, por isso.

RICK - Por isso também, mas o fato é que eu a peguei para colocar nosso inspetor fora de cena. Nunca em sua vasta imaginação ele vai pensar que o bem pago e bem sucedido Rick seria tão bobo de levar uma jovem com ele num trabalho, entretanto é exatamente o que eu vou fazer. Ela é um álibi perfeito. Eu o vejo no carro em um minuto.

[Rick vai até a mesa onde Gabi o espera e paga o almoço. Ela acaba de guardar o batom em sua bolsa. Caminham ambos em direção a mesa onde Gillet tentava se esconder.]

RICK - Meu caro Gillet, nossos caminhos se cruzam novamente.

GILLET - Meu caro Rick, que extraordinária coincidência!

[Gabi chega até eles]

RICK - [a ela] Meu amigo, sr. Gillet, ele é curiosamente um dos meus associados.

[Gabi estende sua mão em silêncio a ele, que a beija ao mesmo tempo em que o guardanapo cai no chão. Ela o pega e o entrega a ele.]

GILLET - Encantado. Qualquer amigo de Rick é também amigo meu.

RICK - Ah, por favor, sente-se e desfrute seu almoço. E tome muito cuidado com as calorias.

[Rick e Gabi se despedem e vão até o carro. Entram enquanto Gillet os observa e sorri confiante. Philip fica de pé à frente da mesa de Gillet, de costas para a câmera]

GILLET - Esse momento merece ser saboreado. Por três longos anos venho esperando e agora finalmente o brilhante e bem pago profissional caiu na armadilha, hêhê. O que não sabe o pobre Rick é que a garota é nossa. Você tem certeza de que ele não suspeitou?

PHILIP - [indo para o lado de Gillet] Inspetor, a minha imitação de ator metódico foi impecável. Eu representei o papel internamente, claro, indicando todos os elementos básicos desse profundo e quase lunático narcisismo. A falta de delicadeza pessoal, o vocabulário falho... [sentando-se] Puxa, foi... Não houve falhas, eu fui brilhante. Eu cheguei numa motocicleta vestindo umas calças desbotadas, óculos...

GILLET- [interrompendo-o] Eu te imploro, meu caro Philip, por favor, não se deixe levar por tanto orgulho. Deixe-me lembrá-lo que você não é o astro desse drama, mas um personagem de suporte e muito sem importância, diga-se. Se a vida, como o teatro, viesse unida de um programa, a sua referência bem embaixo da planilha em letras miúdas, seria simplesmente "segundo policial". Como eu estava dizendo, o que ele não sabe é que a garota é nossa.

PHILIP - Mas será ela confiável? Uma criatura de rua com um gravador de polícia tão grande quanto seu braço?

GILLET- Nada acontecerá de errado, meu caro Philip. Existe uma pequena fissura na armadura de Rick: um bonito rosto. De uma maneira ou de outra, usando seu talento, a garota vai extrair dele o detalhe do plano, muito importante.

PHILIP - O plano... Mas, eles não deveriam ser seguidos?

GILLET- Não teria sentido. Rick é um mestre nas ruas de Paris, não há um policial vivo que consiga ficar na sua pista se quiser driblá-lo. Não, ficarei aqui e farei um ótimo almoço, todo cozinhado é claro, neste notável óleo emagrecedor.

PHILIP - Maravilhoso.

GILLET- Eventualmente, tendo sucedido meu almoço com alguns digestivos e uma rápida caminhada, reencontrarei meu amigo à noite para o clímax dessa aventura na... [abre o guardanapo que ela lhe dera]

PHILIP - Torre Eiffel! Brilhante, inspetor, brilhante!


INT/ EXT - DIA - CARRO

[PG da avenida, do carro. Plano interno. Rick e Gabi estão o banco de trás. Aparece apenas o ombro de François.]

RICK - Para o estúdio, por favor.

GABI - Estúdio?

RICK - Eu já lhe disse, eu tenho que parar um momento em meu trabalho para pegar uma coisa. Você já esteve antes num estúdio de cinema?

GABI - Não. Você trabalha com cinema?

RICK - De certa forma, sim. O estúdio é particularmente maravilhoso em dia de feriado. Vazio. Enormes palcos completamente desertos, como a véspera do Natal, sem nenhuma pessoa em ação.

[Externa. Plano geral do portão abrindo e o carro adentrando a propriedade. Gabi e Rick saem do carro e ele diz ao motorista]

RICK - Espere aqui, eu não vou demorar.

[Dissolve. Reaparecem num dos estúdios. Gabi perambulando, encantada. Rick está perto de um cofre]

GABI - Ah, que simpático. Eu não entendo, você é ator, escritor, produtor, diretor?

RICK - Nada tão criativo quanto essas profissões. Meu interesse no cinema é puramente financeiro.

GABI - Puxa, nem sei como dizer como é excitante para mim, eu simplesmente adoro cinema. Não esses filmes terríveis de vanguarda onde nada acontece, é claro. Eu gosto é de westerns, bons filmes fora de moda, com grandes viradas e viradas das viradas, essas coisas.

RICK - Você tem uma lixa fina na sua bolsa? Qualquer coisa para afiar as unhas?

GABI - [mexe na bolsa] Acho que sim. [entrega a lixa a ele]

RICK - Muito obrigado.

GABI - Eu gosto mesmo é de roubos bem complicados, você não gosta?

RICK - Absolutamente.

GABI - Eu sei que pode parecer infantil, mas é que depois de filmes de assaltos, acho que prefiro filmes de terror. Não vai acreditar, mas quando eu era menina, era apaixonada pelo Drácula. Minha mãe ficava tão chateada. Ela ficava me achando doente, sabe? Costumava dizer: "Esse vampiro tem idade suficiente para ser seu pai, menina!" Aliás, eles se parecem muito.

RICK - [fechando o cofre] Estou satisfeito. Não que seu pai se pareça com o Drácula.

GABI - Ah, mas ele se parecia. Não depois de colocar os dentes.

RICK - Mas então se interessa por filmes, assim temos duas coisas em comum: cinema e girafas.

GABI - Girafas e cinema. É um mundo pequeno, não acha?

[Rick vê o rádio que ela deixa transparecer, por descuido. Ele tenta pegar o rádio]

RICK - Me deixe ver isso!

GABI - Não, não, por favor, está me machucando...

RICK - O batom! Esteve escrevendo com ele! O guardanapo que deu a Gillet, o que havia nele? [começam a correr em círculos] O que havia nele?

[B.G.: de ação/ Continua a perseguição por dentro do estúdio, até que chegam a OUTRO CENÁRIO, onde Rick encurrala Gabi. Ela lhe aponta um revólver]

GABI - Pare, Rick! Eu vou atirar, juro que vou.



INT - DIA - QUARTO HOTEL BENSON

[Mesmas posições]

SIMPSON - Sr. Benson, o que acontece depois?

BENSON - Não sei, não sei, eu só cheguei até aqui.

SIMPSON - Sr. Benson, sabe o que eu acho? Eu acho que vai haver uma outra troca da troca da troca da troca da troca da troca... Eu pensei que gostasse de fazer cinema, mas quando eu trabalhei com Todd Russell, nunca foi assim. Eu me pergunto sobre essas viradas de troca, de troca, de troca eu acho que ele não conhecia, não. Isso teria mudado toda a sua concepção de vida. De repente, eles não estariam só jogando um jogo de palavras, bem como outros jogos. Eu devo admitir, a mente dá voltas. Entretanto, você sabe o que eu acho?

BENSON - Eu sei. Você acha que ela não é realmente uma garota de rua com um gravador de polícia tão grande quanto seu braço. Você acha que ela é agente da Inteligência Americana. Bem, srta. Simpson, acontece que está enganada. A nossa Gabi parece ser um personagem da Literatura popular o mais confiável e leal e que você realmente não pode deixar de colocar, mesmo que escreva mal. A prostituta com um coração de ouro. Não, isto realmente você não pode deixar de fazer. O melhor é o Frankenstein. Com certeza, alguém que cria ou refaz outro humano e ainda cai de amores por ele ou o destrói. Ele pode ir para ambos os lados, isso é o que lhe dá tanta flexibilidade. srta. Simpson, já percebeu que "Frankenstein" e "My Fair Lady" são a mesma estória? Uma termina alegremente e a outra, não. Pense sobre isso por um instante. [chegando perto dela] Seu cheiro está maravilhoso.

SIMPSON - É o óleo de banho. Quando tomei banho hoje de manhã eu botei um pouco de óleo de banho. Só umas gotinhas, é claro.

BENSON - E eu agradeço muito por isso, por beneficiar a nós dois. Onde nós estávamos?

[SIMPSON levanta-se bruscamente]

SIMPSON - Bang, bang, bang. Nós estávamos aqui, ou melhor, o senhor estava aqui. Ela estava em pé com a arma na mão e ele ia em direção a ela. Eu não entendo como "My Fair Lady" e "Frankenstein" são a mesa coisa. [pensando] Ah, eu entendo sim. O professor Higgins criou Eliza e o Dr. Frankenstein criou o monstro. É claro, é evidente.

BENSON - Mas não diga a ninguém, estou guardando para um livro sobre a arte do cinema. Ele a caçou pela selva e tudo o mais e blablablá e passada a banheira e... Se pensa que vai ver um filme de Richard Benson sem uma banheira, você está fora de si. E dentro do quarto, ela puxa a arma e blablablá blablablá, e a menina querida, de grandes olhos mágicos, de banho de óleo perfumado é onde estamos. Lentamente Rick continua em sua direção...