12.4.10

Parte 4

KENTLEY - Não estava lá?

JANET - Não. Deixei recado mesmo assim.

RUPERT - Seria mais fácil encontrá-lo agora se soubéssemos onde esteve esta tarde. O que acha, Brandon?

BRANDON - Não tenho a mínima idéia.

RUPERT - Não ajudaria se descobríssemos onde esteve?

KENTLEY - Creio que sim. Sei que foi jogar tênis no clube à tarde, e sei que chgou lá.

RUPERT - Como?

KENTLEY - Alguém nos ligou de lá avisando-nos que o David nos encontraria aqui.

RUPERT - Sabe quem deu o recado?

KENTLEY - Não.

BRANDON - Então o David encontrou alguém no clube que mudou seus planos. Você esteve lá esta tarde, Kenneth?

KENNETH - Gostaria de ter ido lá.

RUPERT - Você e Brandon estiveram, Philip?

BRANDON - Estávamos ocupados cuidando da festa.

RUPERT - Havia muita coisa a fazer esta tarde?

BRANDON - Você sabe.

KENTLEY - Não falou com David o dia todo?

BRANDON - Por que pergunta?

KENTLEY - Poderia ter ligado avisando que se atrasaria.

BRANDON - Não ligou. Não falamos com o David desde que o convidamos.

KENTLEY - Que estranho.

RUPERT - Como asim?

KENTLEY - Pensei ouvir o David falar ao telefone com o Philip ontem de manhã.

RUPERT - É mesmo?

PHILIP - Sim, ouviu. Esqueci-me.

BRANDON - Sobre o que conversaram? Ele ligou para saber da festa?

Philip - Sim, ele queria confirmar as horas.

RUPERT - Deixe-me ajudá-la com isso.

WILSON - Obrigada, Sr. Cadell.

Rupert segura os livros enquanto Wilson abre parcialmente a tampa do baú.

BRANDON - Pode deixar, Sra. Wilson. Pode guardar os livros quando vier limpar aqui de manhã.

WILSON - Não pensei em vir de manhã.

BRANDON - Mas precisará vir. Pode deixar os livros.

WILSON - Está bem.

Wilson sai de cena. Rupert coloca os livros sobre o baú. Entra em cena Atwater. Vemos agora todos de pé, desfoca plano do baú.

ATWATER - Henry, a Alice não soube nada do David. Está muito nervosa.

KENTLEY - Vou falar com ela.

ATWATER - Ela desligou. Começou a chorar tanto... Estou preocupada.

KENTLEY - O que ela disse?

ATWATER - Ela ligou para todos os lugares onde ele poderia estar, várias vezes. Agora acha que ele pode ter sofrido um acidente. Quer que ligue para a polícia.

KENTLEY - Não, Anita. Não é necessário. O David não é mais criança. Com certeza está bem. Eu... Brandon, irei para casa. Minha esposa precisa de mim. O David não costuma fazer isso.

BRANDON - Claro, eu entendo.

JANET - Posso acompanhá-lo, Sr. Kentley?

KENTLEY - Obrigado, Janet.

ATWATER - Pegarei suas coisas.

BRANDON - Sr. Kentley, seus livros.

KENTLEY - Oh, sim. (pega-os)

BRANDON - Eu sinto muito. Pode me telefonar assim que souber do David?

KENTLEY - Com prazer.

ATWATER - Com certeza ele aparecerá.

KENNETH - Janet.

JANET - Sim.

KENNETH - Não é o momento certo, mas fico feliz por termos conversado.

JANET - Eu também. O David ficará também.

KENNETH - Muito bem.

JANET - Por que não vem conosco?

KENNETH - Eu não...

JANET - Por favor.

Brandon surge.

BRANDON - Isto é seu?

JANET - Sim, vou levar na mão. Obrigada.

KENNETH - Pegarei meu chapéu.

BRANDON - Vai com a Janet?

KENNETH - Sim, vamos todos juntos.

BRANDON - Eu não disse?

Focaliza Philip bebendo mais um drinque; e Rupert encaminhando-se a Brandon.

BRANDON (off) - Boa noite, sr. Kentley. Espero que sua esposa se recupere logo.

KENTLEY (off) - Obrigado.

BRANDON (off) - Telefone assim que souber do David, sim?

ATWATER (off) - Claro. Diga boa noite ao Philip por nós.

BRANDON (off) - Claro. Sra. Atwater, obrigado por ter vindo.

ATWATER (off) - Obrigada pelo convite. Desculpe ter de ir embora.

KENTLEY (off) - Adeus.

ATWATER (off) - Boa noite.

RUPERT coloca um chapéu. Wilson aparece.

WILSON (off) - Não é o seu.

Ele tira o chapéu e ela procura pelo dele. Rupert vê as iniciais "D.K." no chapéu.

KENTLEY - (off) Desculpe-me estragarmos a festa.

BRANDON - (off) Não estragaram nada, Sr. Kentley.

KENTLEY - (off) Por ir embora tão cedo.

Cessam as vozes.

Wilson entrega-lhe seu chapéu.

WILSON - Aqui.

RUPERT - Obrigado, Sra. Wilson.

WILSON - Boa noite, Sr. Cadell.

BRANDON - Também vai embora?

RUPERT - Preciso ir.

BRANDON - Boa noite. (fechando a porta)

RUPERT - (Off) Ajudo o senhor com os livros, Sr. Kentley.

Brandon suspira de alívio e pega em seu bolso a cigarreira. Acende um e vai em direção à sala de estar, onde Philip serve-se de mais um drinque.

BRANDON - Obrigado pela bela noite. Boa noite. Foi um encanto. Esta festa devia ficar na História. Vamos. Já acabou. E não poderia ter corrido melhor.

PHILIP - Poderia sim, sem o Rupert.

BRANDON - Ele foi brilhante. Ajudou-me a dizer tudo o que eu queria àqueles imbecis, deu exatamente o toque que eu esperava.

PHILIP - Um toque de quê? Bisbilhotar, investigar ou só interrogar? Sabe quanto tempo ficou me interrogando?

BRANDON - Sobre o quê?

PHILIP - Que diferença faz? Você estava ocupado com seu outro toque.

BRANDON - Que toque?

PHILIP - Amarrar os livros daquele jeito.

BRANDON - Achei maravilhoso, não gostou?

PHILIP - Nem um pouquinho. Vai arruinar tudo com seus toquinhos especiais.

BRANDON - Calado. A sra. Wilson ainda está aqui. Vai mesmo se embebedar?

PHILIP - Já estou bêbado.

BRANDON - E infantil como antes, quando me chamou de mentiroso.

PHILIP - Não devia ter contado aquela estória.

BRANDON - Por que mentiu?

PHILIP - Precisei fazê-lo. Alguma vez parou para perceber como outra pessoa se sente?

BRANDON - Não sou sentimental.

PHILIP - Não quis dizer isso. Não importa. Nada importa. Exceto que o Sr. Brandon gostou da festa. O Sr. Brandon deu a festa. O Sr. Brandon teve uma noite maravilhosa. Minha noite foi horrível.

BRANDON - Continue bebendo e sua manhã será pior.

PHILIP - Se eu tiver uma ressaca, ao menos será só minha.

BRANDON - Andei pensando... merecemos umas férias depois de tudo terminado. Onde gostaria de ir? Devíamos voltar aqui por alguns dias primeiro. Senão, vai parecer...

PHILIP - Rezo para acordar e ver que não fizemos nada ainda.

BRANDON - Por quê?

PHILIP - Morro de medo. Acho que nos pegarão.

BRANDON - Não há chance. Havia, mas não há mais. (barulho de porta batendo) É a senhora, Sra. Wilson?

WILSON - Sim. Preciso da chave para entrar amanhã cedo. Se é que ainda vão para a fazenda esta noite.

BRANDON - Vamos até lá, sim.

WILSON - Que bom. Nenhum de vocês está com uma cara boa. (pega a chave de Brandon) Obrigada. Eu mesma preciso descansar. Mas quero que voltem nas melhores condições.

BRANDON - Voltaremos.

WILSON - Estou indo. Divirtam-se. Não se esqueça de me escrever. E não troque o "p" pelo "q".

Wilson sai. Brandon fecha a porta e disca um número no telefone.

PHILIP - Para quem está ligando?

BRANDON - Para a garagem. Alô, é o Sr. Brandon Shaw. Poderia trazer meu carro, por favor? Agora mesmo, obrigado.

Desliga o telefone e aproxima-se do baú. Antes de abri-lo, hesita.

BRANDON - É melhor fechar as cortinas.

Ambos vão fechar as cortinas, mas antes que o façam, o telefone toca.

PHILIP - Quem é? Brandon, quem é?

BRANDON - Deve ser o cara da garagem com minhas chaves.

PHILIP - Ainda não deu tempo de ele chegar.

BRANDON - Talvez a Sra. Wilson tenha se esquecido de algo. Atenda.

PHILIP - Brandon, vamos fingir que não estamos em casa.

BRANDON - Com as luzes acesas? Atenda.

Philip atende o telefone.

PHILIP - Quem é? (ouve e em seguida desliga o fone) É o Rupert.

BRANDON - O quê?

PHILIP - Ele quer subir. Deixou a cigarreira aqui.

BRANDON - Deixe que suba.

PHILIP - Sabe que é mentira. Ele veio investigar.

BRANDON - Volte ao telefone.

PHILIP - Não posso.

BRANDON - Você precisa.

PHILIP - Não.

Brandon dá um tapa no rosto de Philip.

BRANDON - Cale-se! (ao telefone) Rupert? Pode subir. (ouve) Claro que não, está um pouco apreensivo. (ouve) Não, mas logo encontraremos. (desliga) Ouça, Philip, Rupert está subindo. Você precisa se recompor. Você me ouviu? Tome outro drinque, se precisar, mas recomponha-se e mantenha o bico fechado. Tudo se resolverá em cinco minutos. Não sei o quanto o Rupert sabe, ou se sabe algo, mas prometo que estará fora daqui em cinco minutos. Dê por onde der. Durante esses cinco minutos precisa se recompor. Olha aqui, não serei apanhado por causa de você nem de ninguém. Agora ninguém vai me atrapalhar.

Brandon sai da sala e volta com uma arma. Campainha toca.

PHILIP - Não está carregada, está?

Brandon coloca a arma no bolso do paletó e vai abrir a porta. Rupert entra.

RUPERT - Desculpe-me incomodá-lo, Brandon.

BRANDON - Não tem problema.

RUPERT - Sabia que ia viajar e não queria ficar sem a cigarreira.

Rupert olha para Philip.

RUPERT - Olá. Não quis assustar você.

BRANDON - Não o assustou. Acho que o Philip está um tanto anti-social hoje.

RUPERT - Achei que talvez...

BRANDON - Sabe onde deixou a cigarreira?

RUPERT - Não tenho idéia. Eu jamais me esqueço de nada. (discretamente coloca a cigarreira em cima do baú, atrás dos livros) Um psicólogo diria que realmente não esqueci, que a deixei aqui inconscientemente porque queria voltar. Mas por que eu voltaria?

PHILIP - Sim, por quê?

BRANDON - Pelo prazer da companhia. Ou por outro drinque.

RUPERT - É uma boa idéia. Posso tomar um drinque?

BRANDON - Claro. Um pequeno?

RUPERT - Não, prefiro um grande, se não se importa.

BRANDON - Nem um pouco. Philip, pode preparar um drinque para o Rupert?

RUPERT - Vejamos... A última vez que estava com a cigarreira foi quando eu estava aqui. Ia abrir o baú para a Sra. Wilson quando você veio.

BRANDON - E depois...

RUPERT - Acho que eu... Onde poderia estar? Está logo aqui, onde deixei. Senhores, peço-lhes desculpas. Perdoem-me. Ainda posso tomar o drinque?

BRANDON - Claro.

RUPERT - Vocês não se importam?

BRANDON - Por que nos importaríamos?

RUPERT - Devem estar...

BRANDON - O quê?

RUPERT - Cansados. Não tem problema mesmo?

PHILIP - Ele disse que pode!

BRANDON - Não ligue para o Philip, tomou uns copos a mais.

Brandon entrega um copo a Rupert, que senta-se e bebe.

RUPERT - Bem, e por que não? Afinal de contas, foi uma festa. É um prazer sentar-me aqui, com um bom drinque e em boa companhia.

BRANDON - Fico feliz.

RUPERT - Não quero atrapalhar.

BRANDON - O quê?

RUPERT - Sei que têm coisas a fazer.

BRANDON - Como assim?

RUPERT - Arrumar malas, detalhes finais. Vai dirigir para Connecticut esta noite, certo?

PHILIP - Sim, mas já arrumamos tudo.

RUPERT - Entendo. Tudo pronto. Tudo menos um convidado que deve ser despachado. Bem, estou indo. Assim que terminar meu drinque.

BRANDON - Não há pressa, Rupert.

Rupert bebe mais um gole e apóia o copo.

RUPERT - Obrigado. Gostaria de ficar um pouco, talvez até saírem. Detesto sair de uma festa, principalmente quando a noite foi tão estimulante, ou estranha como esta noite.

PHILIP - Como assim, estranha?

RUPERT - Eu disse "estranha"?

BRANDON - Escolhe as palavras pelo som ao invés do significado.

RUPERT - Não sei exatamente o que quis dizer, mas é que pensei sobre o David.

BRANDON - O que há de estranho sobre o David?

RUPERT - Não está aparecendo. Não acha que aconteceu algo a ele?

BRANDON - Como o quê?

RUPERT - Pode ter sido atropelado ou preso.

BRANDON - Em plena luz do dia?

RUPERT - É mesmo, me esqueci. Devíamos estar em plena luz do dia quando aconteceu.

PHILIP - Quando aconteceu o quê?

Brandon coloca a mão no bolso em que guardou a arma.

RUPERT - Quando seja o que for que aconteceu ao David. Provavelmente nada. Mesmo assim...

BRANDON - Onde ele está?

RUPERT - Qual é sua teoria?

BRANDON - A minha?

RUPERT - De momento estou considerando a da Janet.

BRANDON - Não sabia que ela tinha uma.

RUPERT - Tinha. Não pude deixar de ouvi-la. Ela acha que você raptou o David ou fez algo para impedir que ele viesse.

BRANDON - O que a Janet pensa não me interessa. Você me interessa. Acha que sequestrei o David?

RUPERT - É o tipo de maldade que você adoraria fazer no colégio, pela experiência, emoção, perigo.

BRANDON - Mas seria bem mais difícil realizar isto agora, não acha?

RUPERT - Você daria um jeito.

BRANDON - Como? Suponhamos que você fosse eu. Como tiraria David do seu caminho?

RUPERT - Você é bem melhor do que eu nessa área.

BRANDON - O que faria, se fosse eu?

RUPERT - Bem, se eu quisesse me livrar do David, eu o convidaria para um drinque num clube ou num bar calmo. Melhor ainda, eu o convidaria para vir aqui, assim ninguém nos veria juntos.

BRANDON - Muito bem, sem testemunhas. E depois?

RUPERT - Bem, deixe-me pensar. Na hora combinada, o David chegaria e eu lentamente sairia da sala até a entrada para cumprimentá-lo. Diria como ele estava bem e pegaria seu chapéu. Eu o traria até aqui, conversaria um pouco para deixá-lo a vontade e talvez lhe oferecesse um drinque. E ele se sentaria.

BRANDON - Sim.

RUPERT - Tentaria tornar tudo agradável. O Philip provavelmente tocaria piano. Que me lembre, o David era bem forte, teria de ser derrubado. Silenciosamente eu iria por trás da cadeira e bateria na cabeça dele com algo. Seu corpo cairia no chão.

BRANDON - E onde o colocaria depois?

RUPERT - Bem, deixe-me pensar. Pediria ao Philip para me ajudar a tirá-lo da sala, descer as escadas e nós dois o colocaríamos no carro.

BRANDON - Mas seriam vistos.

RUPERT - O quê?

BRANDON - Você mesmo disse que se algo aconteceu, deve ter sido em plena luz do dia.

RUPERT - Isso mesmo, esqueci-me. Então teria de encontrar um lugar para escondê-lo até o anoitecer.

BRANDON - Teria sim. Mas onde, Rupert?

RUPERT - Sim, onde?

Rupert chega bem próximo ao baú. Philip atira sua taça no chão, com força.

PHILIP - Gato e rato! Quem é o gato e quem é o rato? Agora chega!

BRANDON - Meta-se na sua vida.

PHILIP - Chega!

BRANDON - Já mandei meter-se na sua vida! (a Rupert) Não é da minha conta, não sou responsável por ele. Com ele neste estado não vale a pena ficar, Rupert. A menos que tenha voltado para encontrar outra coisa, além de sua cigarreira.

RUPERT - Por exemplo, para saber se realmente se livrou do David?

BRANDON - É o que quero dizer.

RUPERT - Você é romântico como a Janet. Não acredito que tenha raptado David. Admito que a Janet me fez desconfiar, mas jamais o teria mencionado se não fosse por você carregar o medo da descoberta no seu bolso.

BRANDON - O quê?

RUPERT - É uma arma, não é? (Brandon ri e tira a mão do bolso) Foi o que mais aguçou minhas suspeitas. E para dizer a verdade, me amedronta um pouco.

BRANDON - Sinto muito, Rupert. Não posso culpá-lo. (joga a arma sobre o piano) Pronto, pode se acalmar, estou levando-a para a fazenda. Houve vários roubos por lá, mamãe anda nervosa. (A Philip) Terminou, Philip?

PHILIP - Sim.

BRANDON - Ouviu o que o Rupert disse sobre a arma? Pensou... É estranho como transforma fatos simples em fantasias desvairadas. Todos fazemos isso, não é, Philip? Principalmente depois de uns drinques. Como está o seu, Rupert?

RUPERT - Acho que vou indo.

BRANDON - Philip, sentir-se-á bem melhor tomando ar fresco. Não terá trânsito complicado, chegaremos logo.

RUPERT - A noite está agradável. Vai dirigir com bom tempo.

Rupert retira de seu bolso a corda.

RUPERT - Até desejaria ir com vocês, deve ser bem emocionante.

BRANDON - Dirigir à noite sempre é.

RUPERT - Mas dirigir com Philip agora teria um elemento adicional de suspense. Tinha razão, Philip, os livros não estavam bem amarrados.

PHILIP - Ele percebeu! Ele sabe!

Philip pega a arma e a aponta na direção de Rupert.

BRANDON - Calma. Eu cuido disso.

PHILIP - Não cuidará de nada. Mato você ou ele. O quanto antes. É o que queria, não? Que mais alguém soubesse como você é brilhante. Como no colégio. Eu disse que ele descobriria, mas tinha de convidá-lo. Agora estamos perdidos.

BRANDON - Cale-se.

PHILIP - Você me forçou e eu te odeio!

Rupert avança e tenta tomar a arma de Philip. Os dois a seguram e ela dispara. Passa a bala de raspão pela mão de Rupert, que segura a arma. Philip cai no sofá, exausto.

BRANDON - (a Philip) Seu bêbado idiota! (a Rupert) Sinto muito, Rupert.

RUPERT - Tudo bem.

BRANDON - Se quisesse mesmo matar não erraria, não a esta distância. Claro que ele não quis te matar, não sabia o que fazia, nem o que falava. Não quis contar a ninguém, mas estava se tornando alcóolatra.

RUPERT - Pode ir para lá, por favor?

BRANDON - O Philip está bêbado. Não vai levar a sério os delírios dele.

RUPERT - Brandon, estou cansado e de certo modo, também com medo, mas não quero discutir mais.

BRANDON - O que vai fazer?

RUPERT - Não quero, mas vou olhar dentro daquele baú.

BRANDON - Ficou louco?

RUPERT - Espero que sim. De todo coração, espero ter ficado louco.

BRANDON - Isso não tem nada a ver com você.

RUPERT - Preciso olhar dentro do baú.

BRANDON - Está bem, pode olhar. Espero que goste do que verá.

Rupert abre o baú e fica horrorizado.

RUPERT - Não acreditei que fosse verdade.

BRANDON - Rupert, por favor...

RUPERT - Por favor, o quê?

BRANDON - Preste atenção, deixe-me explicar-lhe.

RUPERT - Acha que pode explicar isso?

BRANDON - Para você eu posso, porque você vai entender.

RUPERT - Entender?

BRANDON - Lembra-se da conversa anterior com o Sr. Kentley?

RUPERT - Sim.

BRANDON - Dissemos: "As vidas de seres inferiores são insignificantes"? Dissemos: "Sempre dissemos, eu e você, que conceitos morais de bem e mal, certo e errado não se aplicam aos seres intelectualmente superiores". Lembra-se, Rupert?

RUPERT - Sim, eu me lembro.

BRANDON - Foi isso que fizemos. Foi só o que Philip e eu fizemos. Eu e ele vivemos o que eu e você conversamos. Sabia que entenderia. Tem de entender, você tem.

Rupert, transtornado, afasta-se e senta-se.

RUPERT - Brandon, até esse exato momento este mundo e as pessoas que nele vivem sempre foram obscuras e incompreensíveis para mim. Tentei iluminar meu caminho com a lógica e com o intelecto superior, e jogou minhas palavras na minha cara. Era seu direito. O homem deve sempre cumprir o que diz. Mas deu às minhas palavras um significado que eu jamais imaginei, e tentou distorcê-las num pretexto cruel e lógico para seu assassinato horroroso. Nunca foram assim, Brandon, e não pode torná-las assim. Deve haver algo no seu íntimo, desde o início, que permitiu que fizesse isso. Mas há algo dentro de mim que jamais me permitiria fazê-lo e nunca me deixaria fazer parte disso.

BRANDON - O que quer dizer?

RUPERT - Esta noite fez-me envergonhar dos conceitos que sempre tive dos seres superiores ou inferiores. E lhe agradeço por essa vergonha, porque agora sei que somos, cada um de nós, um ser humano individual, Brandon, com direito de viver, trabalhar e pensar como indivíduos, mas com uma obrigação com a sociedade em que vivemos. Com que direito se atreve a dizer que há seres superiores aos quais você pertence? Com que direito se atreve a decidir que esse rapaz aí era inferior e, portanto, poderia ser morto? Pensou que era Deus, Brandon? Foi o que pensou quando roubou sua vida? Foi o que pensou ao servir um banquete sobre seu túmulo? Não sei o que pensou nem o que é, mas sei o que fez. Cometeu um assassinato! Estrangulou e tirou a vida de um ser humano que poderia viver e amar como você nunca pôde, e como jamais poderá.

BRANDON - O que está fazendo?

RUPERT - Não é o que farei, é o que fará a sociedade. Não sei o que será, mas posso adivinhar e ajudar. Vai morrer, Brandon. Vocês dois! Vão morrer.

Rupert abre a janela e dá três tiros no ar.

RUPERT - Alguém deve chamar a polícia. Alguém ouviu os tiros?

Brandon serve-se de mais um drinque e bebe-o tranquilamente. Rupert senta-se numa cadeira próximo ao baú.

RUPERT - Estão vindo.

F
I
M