24.4.10

parte 4

GABOR - Não me deve nada.

ADELE - Aprenda a perder ou tomará o ganho por certo.

Surge um arco-íris.

ADELE - Como se diz arco-íris em italiano? Deveríamos fazer um desejo. Sorria, estamos de férias.

GABOR - Não estamos de férias, estamos perdidos.

ADELE - Não, você que é um pessimista. Ouça, apenas siga o som dos grilos.

Ext. Dia. restaurante. Um garçom limpa as mesas e olha Adele, que corresponde.

GABOR - Quer sobremesa?

ADELE - Hein?

GABOR - Não, digo... quer ele de sobremesa, com uma colher de sorvete em cima. (olha as horas)

ADELE - Tem que pegar um trem?

GABOR - Sim, de férias pega-se trens. O das 8:23 é muito bom.

ADELE - Bom para quem?

GABOR - Deveria deixá-lo sentar-se aqui ou torcerá o pescoço.

ADELE - Não é preciso, só estou olhando. Tem que admitir que me contive ultimamente.

GABOR - Não seja tímida, com sorte a tomará parada em uma mesa, à portuguesa. Uma pena perdê-lo. E se ele a convidasse para ir com ele agora?

ADELE - Seríamos felizes?

GABOR - Quem?

ADELE - Ele e eu?

GABOR - Vou lhe contar uma história. Há muito tempo, eu vivia numa rua, do lado par, no número 22. E olhava pela janela as casas de número ímpar, na calçada em frente, porque pensava que as pessoas ali eram mais felizes, que suas peças eram mais claras, suas festas mais divertidas. Mas suas casas eram mais escuras e suas peças pequenas e eles também olhavam o outro lado da rua. Porque sempre pensamos que a sorte é aquilo que não temos. (levanta-se e pega o paletó) Bem, preciso pegar um trem. Se você não aparecer, saberei que se foi.

ADELE - Ir para onde?

GABOR - Ver se o ouro lado é melhor.

Gabor vai embora. Adele olha para o garçom, que parou de limpar as mesas e a observa.

Int. Dia. Num balcão, Adele e o garçom estão quase lá.

ADELE - Melhor não. Desculpe. Desculpe, não é você. Não é você quem estou buscando. Que horas são?

Ela sai correndo. No relógio da estação vê-se que são 6:15. Próximo á estação de trem, Gabor está caminhando sobre os trilhos; as malas empilhadas na plataforma. O trem se aproxima. Gabor fica parado no cruzamento.

GABOR - Coroa.

O trem passa pelo outro trilho, ao lado dele. Surge então Adele, cansada da corrida e preocupada.

GABOR - Cara.

ADELE - O que está fazendo? Brincando com trens na sua idade! O que procurava?

GABOR - Procuro minha vista.

ADELE - Olhe para mim. Acreditei no que me disse sobre a sorte. Trevos de quatro folhas, vida fácil e Farah Diba. Confie em você. É um truque sujo, isso que você faz. Desanimar os outros com seu orgulho e trens e números de desaparecimento. Você é como um tutor, todo dia julgando e fazendo sermões. Está bem! Está mal! Queixo para cima! Pare aí!

GABOR - Sou como um tutor?

ADELE - Um pouco.Não... mal-humorado. Sou uma boba. Não foi idéia minha, você me trouxe aqui, não pode me deixar agora. Estou me acostumando a ter sorte e a você também. Sabe o que eu quero?

GABOR - O mesmo que eu?

ADELE - Agora mesmo. Onde quer que seja.
Eles caminham com as malas para um lugar isolado e... Lá ele atira facas em volta dela. As últimas ele atira de olhos fechados. Ao fim, ambos sorriem, satisfeitos.

Ext. Dia. Plataforma de embarque. Prestes a embarcarem num navio.

ADELE - O que disse a eles?

GABOR - Que estamos prontos.

ADELE - Prontos para quê?

GABOR - Prontos para tudo, para fazer carreira internacional. Está pronta?

ADELE - Ora, porque estou pronta.

Entram no navio.

Int. Apresentador anuncia o próximo número à platéia.

APRESENTADOR - A Roda da Morte!

Adele e Gabor esão se arrumando no camarim.

ADELE (preocupada) - Roda de quê?

GABOR - Da Morte. Uma pequena variação. As pessoas se entediam nos cruzeiros, precisam de movimento. Bem, vamos.

Adele é colocada na Roda da Morte, que começa a girar. Gabor se prepara para começar. Atira todas as facas bem próximo a ela, mas não a fere. Ao fim, a platéia aplaude, em êxtase. No camarim, ele coloca-lhe um band-aid sobre um pequeno ferimento no braço dela.

GABOR - Inclinou-se.

Ela confirma.

Ext. Noite. Fogos de artifício no céu. Estão todos numa festa de casamento, os noivos dançam.

ADELE - Vamos dançar?

GABOR - Não.

ADELE - Não sou muito boa.

Ele se deixa levar por ela, e vão dançando, sorridentes; ela mais que ele, que está preocupado. Não dura muito o clima estranho entre eles, pois logo a música acaba.

ADELE - Obrigada.

Pouco depois, o noivo (Takis) e Gabor estão sentados.

TAKIS - Tem fogo?

GABOR - Pegue.

Gabor entrega-lhe o isqueiro. O noivo olha para o objeto, intrigado.

TAKIS - Onde o encontrou?

GABOR - Na Itália, junto ao caminho.

TAKIS - Curioso, é meu. T.P. Takis Papadopoulos. Sou eu.

GABOR - Pegue-o.

TAKIS - Não, guarde-o com você. Minha mulher quer que eu pare de fumar. Disse que sim para agradá-la. (observam a noiva dançando só) De qualquer forma, ela é italiana, eu sou grego. Mal nos entendemos, não vale a pena discutir.

Gabor guarda o isqueiro no bolso do casaco. Adele senta-se ao lado de Gabor, com frio.

GABOR - Está com frio?

ADELE - Não sei, provavelmente esteja mareada.

Gabor tira seu casaco e coloca-o sobre ela, que sorri e fica ouvindo a música. Gabor levanta-se e sai. Takis e Adele se olham. O enfeite de bolo dos noivos cai com o vento.

Int. Noite. Salão de festas vazio, exceto por um funcionário limpando o local. A noiva corre desesperada à procura do noivo.

Int. Corredor. Adele vai até o quarto de Gabor levar seu casaco.

ADELE - Trouxe seu... pegue.

GABOR - Obrigado, mas não há pressa.

ADELE - Não.. na verdade, sim.

GABOR - O que foi, dormiu mal?

ADELE - Vou embora. Estou te deixando.

GABOR - Por quem?

ADELE - Pelo indicado, o que estava me esperando. Ele me levará para longe.

Gabor vai até o convés, onde observa Takis colocando as malas num barco.

GABOR - Mas não é possível!

ADELE - Sim.

GABOR - Não ele. É recém-casado, é depressivo. É grego!
ADELE - Ninguém nunca me olhou como ele. Ninguém havia me perguntado qual lado da cama eu preferia Se sentia frio ou calor, fome ou sede, exceto você, talvez, num dia bom.

GABOR - Não. Nunca te perguntei qual lado da cama preferia.

ADELE - Esquerdo. Você, depois ele, são as únicas coisas boas que me aconteceram na vida. Mas isso não é muito. Você e eu sempre estaremos juntos. Como fazemos, apertamos as mãos? Nos abraçamos?

GABOR - Nos esquecemos.

ADELE - Não lhe prometo nada.

No pequeno barco, afastando-se do navio, Adele olha tristemente para onde está Gabor.

ADELE - Desculpe-me.

Gabor fica sentado, tristemente observando o barco se afastar.

GABOR - Por nada.

E olha a noiva, chorando, vendo seu noivo partir. Ela olha para o mar.

GABOR - Parece alguém que está a ponto de cometer um erro.

A noiva olha para ele.

Int. Gabor está amarrando a noiva na Roda da Morte. Nas primeiras facas que atira vai bem, até que... Ele a acerta na perna. A mulher grita. A roda imediatamente pára de girar.

Ext. Dia. No mar aberto, problemas no paraíso. Takis e Adele estão à deriva.

Ext. Dia. Numa parada para socorrer a noiva, Gabor está sentado, observando os médicos correndo com a maca e a colocando numa ambulância.

NOIVA - Takis!!!

A ambulância sai a toda velocidade.

Int. Dia. Na alfândega, Gabor explica-se ao guarda.

GABOR - Artista. Artista de cabaré. Atiro facas.

O guarda carimba seu passaporte.

Ext. Dia. À beira de uma estrada empoeirada, Gabor tenta, sem sucesso, pegar uma carona.

GABOR - Não entendo o que te deu para ir com esse sujeito.

Ext. Dia. barco em alto-mar.

ADELE - O amor ataca inesperadamente. Sentia que se parecia tanto comigo, parecia tão triste. Além disso, me prometeu que seria para sempre.

GABOR - Para sempre... Quer olhar o seu pastor grego. Escolheu outro perdido, se pode ver.

ADELE - Sim, mas não podia prever.

GABOR - Prever o quê?

ADELE - Que terminaria assim. Ainda por cima tão rápido.

Surge um helicóptero. Takis acena e grita. O helicóptero os resgata.

Ext. Dia. Base na Grécia. O helicóptero pusa e uma mulher os recebe. Em seguida, Takis se engraça com a mulher.

ADELE - Mais que durar para sempre, diria que acabou logo em seguida. Nos levaram a uma base grega e foi ali onde ele mudou de opinião.

GABOR - E então?

ADELE - Então nada. Me deram café quente e um sorriso para levantar o moral.

Um guarda se aproxima de Adele, sorrindo e senta-se a seu lado.

GABOR - Não.

ADELE - Sim. Foi assim que tudo recomeçou, como antes.

GABOR - Antes do quê?

ADELE - Antes de você.

Numa feira ao ar livre, um homem embaralha cartas. Adele escolhe uma.

HOMEM - Perdeu.

ADELE - Vê? Não funciona mais.

HOMEM - É a sorte. Vai e vem.

Adele pega o dinheiro e corre.

Ext. Dia. Panorâmica do Partenon. Adele está sentada em frente.

ADELE - E você, como está?

Gabor atirando facas num desenho de Adele, na rua.

GABOR - Tranquilo.

ADELE - Acredita nesse história de bilhete rasgado?

GABOR - Que bilhete?

ADELE - Aquele rasgado em duas metades que não valem nada uma sem a outra. Acredita?

Ext. Noite. Adele está sentada, com frio, tendo o Partenon como pano de fundo.

Ext. Noite. Gabor caminhando pelas ruas.

ADELE - Está aí?

GABOR - Sim, estou aqui.

ADELE - Ainda no ramo do espetáculo?

Gabor está distribuindo panfletos.

GABOR - Claro. Como nunca antes. (a transeuntes) São de Paris? Não viram passar uma loira de olhar perdido com um relógio a prova d'água, morta de tristeza.

Int. Noite. Gabor dorme numa cama um quarto com outros homens. Um dos homens tenta roubar-lhe o isqueiro, mas Gabor o impede.

GABOR - Lamento, mas preciso dele no caso de um ataque de melancolia. Todos corremos perigo. Acha que sou idiota? Sei que parece idiota agarrar-se a nada, um isqueiro, um bilhete rasgado, seu primeiro olhar nessa ponte. A mesma noite em que eu também pensava em saltar.

Close no rosto de Adele, na ponte.

GABOR - Mas não vale a pena morrer. Tudo o que se precisa é de uma garota com numa ponte com grandes olhos tristes. (acende o isqueiro) Vou deixá-lo aceso. Nunca se sabe, poderia passar por aqui. (o isqueiro se apaga) A porta!

Alguém fecha a porta.

Ext. Dia. feira livre. Gabor tenta vender suas facas. Uma mulher com uma criança param e olham as facas.

GABOR - Pague o que quiser, uma panqueca, cocos, um pepino...

A mulher vai embora. Gabor vê Adele caminhando por ali. Esquece as facas e corre atrás dela, mas quase é atropelado. Ao cair no chão, percebe que se trata de outra mulher, não de Adele.

Ext. Noite. Gabor caminhando com muletas sobre uma ponte. Com dificuldade, passa para o outro lado da ponte e olha para baixo. Quando está prestes a se soltar, ouve a voz de Adele.

ADELE - Parece alguém que está a ponto de cometer um erro.

Ele olha para ela.

ADELE - O que está esperando, a maré alta? Não é fácil, não? Achou que poderia pôr a mente em branco e deixar-se cair, mas não funciona assim. Além do mais, as pontes não são lugares tranquilos para saltar. Sempre há alguém criando dúvidas. Quebrou alguma coisa?

GABOR - Tudo. Preciso trocar tudo. Mas não vale a pena, é mais barato um novo atirador de facas.

ADELE - E o que eu faria com um novo atirador de facas? (segura as mãos dele) Está com frio? Está tremendo.

GABOR - Sonhou. Nunca tremo.

ADELE - Talvez nós dois tenhamos sonhado, e não foi ruim. Vamos?

GABOR - Para onde?

ADELE - Não importa. Para onde quer que a gente vá, encontrará facas para atirar em mim.

Adele o ajuda a voltar para a ponte. Eles ficam cara a cara.

ADELE - De qualquer forma, não temos escolha. Se não sou eu que salto, é você. Não podemos continuar.

GABOR - Continuar como?

ADELE - Sem estarmos juntos.

Abraçam-se longamente. Zoom out da ponte.

FADE OUT