Wilson surge trazendo um balde de gelo com champanha.
BRANDON - Toda enfeitada!
WILSON (vaidosa, arrumando o cabelo) Você acha?
Wilson sai de cena, sorrindo. Servem champanhe a Kenneth.
PHILIP - O que foi?
KENNETH - Sinto-me honrado.
BRANDON - E por quê?
KENNETH - Parece uma pequena festa de despedida.
BRANDON - Matamos dois coelhos com uma cajadada só. É para o Sr. Kentley.
KENNETH - (triste) O pai de David?
BRANDON - Sim.
KENNETH - David virá?
BRANDON - Mas é claro?
KENNETH - Quem mais vem?
BRANDON - Ninguém que não conheça. Os Kentley, a Janet Walker.
KENNETH - A Janet.
BRANDON - Sim. Achei que ficaria feliz em vê-la. Não ficará?
KENNETH - A Janet e eu terminamos, Brandon. Não sabia?
BRANDON - Sinto muito, não sabia.
KENNETH - Você sabia, Philip?
PHILIP - Ouvi dizer, mas não presto atenção a estas coisas.
KENNETH - Deveria prestar.
PHILIP - Por quê?
KENNETH - A Janet e o David estão...
Campainha toca. Wilson atende.
JANET - Olá, Sra. Wilson.
KENETH - (Olha sua taça vazia) Posso?
BRANDON - Sirva-se. Anime-se, tenho a impressão de que agora terá chance com ela.
KENNETH - O que quer dizer?
Brandon e Kenneth vão receber Janet à porta.
BRANDON - Janet!
JANET - Ei, pessoal. (abraça Brandon) Anjo. Cuidado com meu cabelo. Como está cheiroso. O que é?
BRANDON - O perfume que me deu no Natal passado.
JANET - Sabia que tenho bom gosto.
BRANDON - E tem. Está bonita.
JANET - Quando acabar de pagar já não estarei. (Brandon ri) É engraçado? Nunca sei quando sou engraçada. Quando tento ser dou a maior mancada. Philip querido. (abraça-o) E esse boato de você na Prefeitura? Vai nos pregar uma peça mórbida e ficar... (ao ver Kenneth) horrivelmente famoso.
BRANDON - Já se conhecem.
JANET - Olá, Ken.
KENNETH - (sorrindo) Olá, Jan.
JANET - Foi fascinante, não foi? Parece que fiquei sem corda.
BRANDON - Que me diz de um champanha?
JANET - "Olá, Champanha"? Entendeu o que digo sobre tentar ser engraçada?
Brandon serve champanha a Janet.
JANET - Como anda, Ken?
KENNETH - Bem, obrigado. E o emprego novo?
PHILIP - O que está fazendo?
JANET - Escrevendo a mesma coluna sobre como manter o corpo bonito.
PHILIP - Para quem agora?
JANET - Uma revista chamada "Allure". (pega a taça e bebe) Obrigada, amigo. Esse quadro não é novo?
BRANDON - É, você gostou?
JANET - Sim. O que é?
BRANDON - Jovem primitivo americano.
JANET - Tenho uma jovem irmã americana. Tem três anos e faz coisas primitivas.
Todos riem. Ela fala baixo a Brandon.
JANET - Seu safado. (a todos) Não tem outro novo ali na entrada?
BRANDON - Acho que não. Qual?
Ela aponta para uma parede vazia, do outro lado.
JANET - Este. (falando baixo) Podia te estrangular.
BRANDON - O que fiz agora?
JANET - Seu senso de humor chega a ser malévolo.
BRANDON - Do que está falando?
JANET - Por que convidou o Kenneth?
BRANDON - Por que não?
JANET - Sabe muito bem por que não. Desmanchamos há tempos. Estou quase noiva do melhor amigo dele.
BRANDON - O David?
JANET - Sim, o David. As coisas ficaram perfeitas agora.
BRANDON - Sinto muito, mas é difícil acompanhar seus namoros. Depois de mim veio o Kenneth, e agora o David. Por que trocou o Kenneth pelo David?
JANET - Obviamente ele é mais simpático.
BRANDON - E certamente mais rico.
JANET - Isso foi baixo, até mesmo para você.
Voltam a outra sala.
JANET - Há quantos anos eu disse: "Faz cócegas?" Não me diga.
KENNETH - Soube que Rupert virá.
BRANDON - Foi convidado. Nunca se sabe.
KENNETH - Espero que venha. Como está ele?
JANET - Quem é ele?
KENNETH - Rupert Cadell. Foi nosso diretor no colégio.
JANET - Diretor desses três anjos.
BRANDON - Quatro. Tentou ensinar o David também.
KENNETH - O Rupert agora é editor, não é?
JANET - De sucesso? Talvez me dê emprego.
BRANDON - O Rupert só publica aquilo de que gosta, geralmente filosofia.
JANET - Letra pequena, muitas palavras, poucas vendas.
BRANDON - O Rupert é extremamente radical. Sabia que seleciona os livros baseado na idéia de que as pessoas podem pensar, além de ler? É interessante, gosto dele.
KENNETH - Sempre gostou. As discussões que costumavam ter na escola. Brandon ficava por horas aos pés do mestre.
Brandon aos pés de alguém??? Quem é este Rupert?!
KENNETH - Ele contava as coisas mais esquisitas, não é?
JANET - Que tipo de coisas?
BRANDON - Acho que o Kenneth quer dizer... a impaciência de Rupert com convenções sociais. Por exemplo, acha que assassinato é crime para a maioria, mas um privilégio de poucos.
A campainha toca. Wilson surge, apressada. Brandon abre a porta.
BRANDON - Tudo bem, eu atendo. (abre-a) Sr. Kentley, que bom que veio.
Sra. Kentley e Sra. Atwater entram.
KENTLEY - A Sra. Kentley não está bem. Trouxe minha irmã, a Sra. Atwater. Ficará conosco.
BRANDON - Será um prazer.
Wilson pega os chapéus e sai de cena.
ATWATER - O prazer é meu, meu rapaz. Estou em Nova York há duas semanas. Alice tem estado doente o tempo todo e Henry fica catalogando sua biblioteca.
KENTLEY - Às vezes leio um de meus livros.
ATWATER - Estou de visita, Henry. É minha segunda festa. Acho que é justo.
Wilson volta.
WILSON - Dê-me suas coisas.
ATWATER - (Entrega-lhe o casaco.) Obrigada.
WILSON - Sinto muito sobre a Sra. Kentley.
ATWATER - É só um resfriado.
WILSON - Nessa época pode ser perigoso. Espero que esteja de cama com muito suco de frutas.
ATWATER - Está. Obrigada.
Os dois homens tentam conversar, mas elas falam mais alto.
WILSON - Isso resolve o problema.
ATWATER - Resfriado perigoso no calor? Não entendo isso.
WILSON - Dois anos atrás peguei um. Fiquei de cama por três semanas.
BRANDON (afastando Wilson) - Com licença... Por aqui, Sra. Atwater.
Deixam Wilson falando sozinha e vão todos para a outra sala.
ATWATER - David!
BRANDON - Enganou-se. Esse é Kenneth Lawrence.
ATWATER - Sinto muito.
BRANDON - Tudo bem. Muita gente confunde o Kenneth com o David, mesmo quem não tem miopia.
Close nas mãos de Philip, que se cortou com uma taça.
KENTLEY - Não temos muita chance de observar a semelhança. Não andou estudando?
KENNETH - Estou tentando.
KENTLEY - Querida, a semelhança é apenas física.
BRANDON - Acho que conhecem a Srta. Walker.
ATWATER - Janet, querida. Terminei seu horóscopo antes de vir.
JANET - Conte.
ATWATER - As estrelas são generosas. Indicam casamento em breve, com um jovem louro alto, com um pai muito gentil.
KENTLEY - Eu disse isso a semana passada.
ATWATER - Sim, mas as estrelas confirmam.
JANET - Que maravilha.
BRANDON - Sra. Atwater, quero lhe apresentar o Sr. Philip Morgan.
PHILIP - Como vai?
ATWATER - Machucou sua mão?
PHILIP - Não é nada, foi só um corte.
BRANDON - O que houve?
PHILIP - Nada. O copo estava trincado e quebrou-se. Aceita um champanha?
ATWATER - Adoraria. Papai tomava uma taça todas as manhãs às 11h, mas Henry não gosta.
Philip e Atwater saem de cena.
BRANDON - Sr. Kentley, aceita uma taça?
KENTLEY - Prefiro um pouco de uísque com bastante água. O David está aqui?
Brandon vira-se para servi-lo.
BRANDON - Pensei que viria com vocês.
KENTLEY - Ele ligou-me avisando que nos encontraria aqui.
Brandon sai de cena. Ambos sentam-se.
JANET - De onde ele ligou?
KENTLEY - Nossa empregada que atendeu. Estava no clube estudando para os exames de tênis.
JANET - O David não precisa estudar, ele é muito inteligente.
KENTLEY - O David está indo muito bem.
JANET - Obrigada. Como está a Sra. Kentley?
KENTLEY - Como sempre. Agora está resfriada. Espero que o David chegue logo. Ela quer que ele ligue.
JANET - O David é o único filho.
KENTLEY - Meu também, mas permitirei que ele cresça.
JANET - Ligarei para ela avisando que ele se atrasou.
KENTLEY - Não se preocupe.
JANET - O David pode ter parado para vê-la.
Brandon volta com um copo e entrega-o a Kentley.
JANET - Posso usar o telefone?
BRANDON - Claro. Está no quarto.
JANET - Que aconchegante.
BRANDON - Pronta para outra?
JANET - Em breve.
Janet bebe e entrega seu copo vazio a Brandon, que vai em direção ao baú, perto de onde está Kenneth.
JANET - Agora estou. Obrigada.
KENTLEY - Que jovem charmoso. O David devia ser mais amigo dele.
JANET - Vou telefonar.
Janet sai de cena.
BRANDON - Kenneth, tem muito ar no seu copo.
KENNETH - Está bem, obrigado.
BRANDON - Leva isto para a Janet?
KENNETH - Claro. Por quê?
BRANDON - Nenhum motivo em particular. É dela. Achei que gostaria de levar para ela. Está no quarto, telefonando.
KENNETH - Quer que o David entre de supetão.
BRANDON - Seria um choque tremendo.
Kenneth sai de cena, levando os copos.
PHILIP - 14 de julho. Pode prever meu futuro?
ATWATER - Sou astróloga amadora.
PHILIP - Com certeza é muito boa.
ATWATER - Quer saber se sua apresentação será um sucesso?
PHILIP - Quero sim.
ATWATER - Vejamos. Nasceu em 14 de julho. É câncer, o caranguejo. É da lua. É influenciado pela lua. Posso ver suas mãos? Sabe a hora do seu nascimento?
Olha as mãos dele.
PHILIP - Não.
ATWATER - Bons dedos, fortes. Artísticos.
PHILIP - E a apresentação?
ATWATER - Estas mãos lhe trarão grande fama.
KENTLEY - Considero-me um homem de muita sorte. Estou a postos para a abertura.
PHILIP - De quê?
KENTLEY - De sua coleção, por assim dizer.
PHILIP - Sim, claro.
Kenneth e Janet voltam.
ATWATER - Vai tocar. Que ótimo.
JANET - Sua esposa mandou um abraço.
KENTLEY - O David não estava lá?
BRANDON - Estará aqui num minuto.
Plano geral. Philip começa a tocar o piano. Rupert entra.
RUPERT - Seu toque melhorou, Philip.
BRANDON - Rupert, pensei que não viesse.
RUPERT - Mas me conhece.
BRANDON - Sra. Atwater, lhe apresento o Sr. Rupert Cadell.
ATWATER - (sorrindo) Encantada.
BRANDON - O Sr. Kentley.
Cumprimentam-se.
RUPERT - Como vai?
KENTLEY - Rupert Cadell, diretor de Somerville?
RUPERT - Costumava ser.
KENTLEY - Deve ter ensinado meu filho, David.
RUPERT - É um elogio. Como vai?
KENTLEY - Olá, amigo.
RUPERT - Sra. Walker.
JANET - Como sabe?
RUPERT - Brandon falou de você.
JANET - O que disse foi justo?
BRANDON - Você merece justiça.
RUPERT - Kenneth Lawrence, você cresceu! Ora, as aulas acabaram, pode dizer.
KENNETH - Não mudou nada. Prazer em vê-lo novamente.
RUPERT - (bravo) Por quê? (rindo) Não ligue, prazer em vê-lo novamente. (Vendo a taça de Kenneth) Isso parece ser champanha do bom. (olha para a garrafa) E é. Bom champanha. Qual é a ocasião?
BRANDON - Disse-lhe ao telefone. Começou sendo uma festa para o Sr. Kentley, para que pudesse ver as primeiras edições. O Philip e eu vamos para o interior.
Brandon serve uma taça a Rupert.
RUPERT - Também me contou isso.
BRANDON - Contei?
RUPERT - Sim.
BRANDON - Pensei em fazer uma festa de despedida para o Philip.
RUPERT - Portanto champanha. Entendo.
BRANDON - É verdade.
RUPERT - Sempre gagueja quando fica entusiasmado.
BRANDON - Fico sempre entusiasmado quando dou uma festa.
RUPERT - É mesmo?
Wilson entra, com uma bandeja.
WILSON - Sr. Cadell?
RUPERT - Sra. Wilson. O que temos aqui?
WILSON - Tenho aquele patê especial de que gosta.
RUPERT - Não gosto mais. Estou brincando.
WILSON - Você é terrível.
RUPERT - Obrigado.
WILSON - Comece a cortar. Trarei o resto em breve. Ah, Sr. Brandon, o encontrei.
BRANDON - Não faço a mínima idéia do que perdeu.
RUPERT - A maravilhosa Sra. Wilson. Talvez me case com ela.
Janet aproxima-se.
JANET - Parece uma delícia. Espero que David chegue logo.
RUPERT - Onde está o David?
JANET - Não faço a mínima idéia. Está tão atrasado que o Sr. Kentley está perturbado.
RUPERT - E você?
JANET - Eu? Estou com fome. (servindo-se)
RUPERT - Brandon, o que é isto?
BRANDON - Um cassone, da Itália.
RUPERT - Por que a comida está sobre ele?
BRANDON - Transformei a sala de jantar em biblioteca.
RUPERT - Sabia que encontraria outro uso para o baú. As estórias que ele contava sempre tinham um baú. "The Mistletoe Bough" foi sempre seu conto favorito.
JANET - Sobre o que era?
Kentley aproxima-se. Rupert acende um cigarro.
KENTLEY - Não me lembro do começo. Era sobre uma bela jovem. Ela era noiva. No dia do seu casamento escondeu-se num baú.
BRANDON - Isso mesmo.
KENTLEY - Infelizmente, a trava era de mola. Encontraram-na 50 anos depois.
JANET - Não brincarei assim.
BRANDON - Sirvam-se, por favor.
ATWATER - Falando de esqueletos, viram aquela coisa nova no Strand?
JANET - Sim, adorei.
ATWATER - Gostou? Ótimo. Não gostei da nova moça, deve ser de Escorpião.
JANET - Também não gostei dela, mas suas roupas eram fabulosas.
ATWATER - Simplesmente divinas.
JANET - Esplêndidas.
RUPERT - Preciso ver.
JANET - Claro, o homem de meus sonhos é James Mason.
RUPERT - Ele é bom?
JANET - Absolutamente fantástico.
ATWATER - Um sinistro atraente. É de Touro, muito obstinado.
RUPERT - É mesmo?
ATWATER - Mas tenho algo a confessar. Gosto do Mason tanto quanto do Errol Flynn.
JANET - Eu prefiro o Cary Grant.
ATWATER - Eu também. De Capricórnio. É divino! É um pedaço.
JANET - Verdade.
ATWATER - Foi incrível naquele filme novo com a Bergman. Como se chama? "O-não-sei-quê-do-não-sei-quê". Não, esse é o outro. Este é só "Não-sei-quê". Era como, sabe...
RUPERT - Tenho na ponta da língua.
JANET - Eu também. Era algo simples. Adorei. E a Bergman...
ATWATER - É do tipo Virgem, como todos estes... você sabe.
RUPERT - Fui ao cinema uma vez. Vi Mary Pickford.
ATWATER - Ela me encantou. Não gostou dela? O tipo Virgem, como todas as outras.
JANET - Em que a viu?
RUPERT - Não me lembro bem. Era "Não sei quê do não sei quê". Ou era apenas "Não sei quê? Ou algo bem parecido.
JANET - Acredito que nunca tenha ido.
Wilson aproxima-se.
WILSON - Se fosse você, moderava no patê. Calorias.
BRANDON - Não seja grosseira. Poderia ajudar a Sra. Atwater, Philip?
PHILIP - Com prazer. Sente-se, eu levo para a senhora.
ATWATER - Muito obrigada.
Atwater senta-se.