15.8.09

HIS GIRL FRIDAY

(Jejum de Amor / Condenados ao amor)

Não vou nem comentar a tradução ridícula do título deste HIS GIRL FRIDAY (1940), dirigido por Howard Hawks ("Scarface" e "Rio Bravo", entre muitos outros), com roteiro de Charles Lederer ("Os Homens Preferem as Loiras" e "A Dama de Shanghai", entre outros) e baseado na peça "The Front Page" de Ben Hecht e Charles MacArthur.
Mas vou comentar sobre esta incrível película. Como meus leitores imaginários sabem, para mim os filmes que são o sumo do supra-sumo são aqueles em que o roteiro é o protagonista. Este é o caso, amiguinhos.
Em "His Girl Friday", a estrela da vez é o texto, altamente inspirado e inspirador, em que os personagens falamfalamfalam (tal como Woody Allen viria a fazer anos depois) e nem assim conseguem ser chatos, mas deliciosamente simpáticos.
Um dos dez melhores filmes de todos os tempos, o início do screwball e seu maior expoente até então, deveria constar em todas as listas de melhores que existem. O filme mais ágil já feito, com diálogos pra lá de espirituosos e é evidente que serviu de base a milhentas sitcoms (desde a inocente "I Love Lucy" até o inacreditavelmente hilário "Will and Grace").
Este roteiro eu traduzi da versão original retirando alguns termos técnicos supérfluos, os espaçamentos gigantescos e toda a parte embromativa. Só não retirei tudo porque não queria deixar apenas os diálogos; e só não acrescentei mais coisas porque não queria uma novelização.
Grr... Detesto novelizações!




FADE IN

TUDO ACONTECEU NA "IDADE DAS TREVAS" DO JORNALISMO QUANDO "CONSEGUIR AQUELA MATÉRIA" JUSTIFICAVA QUALQUER
ATITUDE DO REPÓRTER.
NÃO HÁ SEMELHANÇAS COM OS JORNALISTAS DE HOJE.
PREPARADOS?

INT. DIA - REDAÇÃO DO MORNING POST

Travelling, Sala cheia, Muita gente trabalhando, andando pra lá e pra cá.

REPÓRTER - (off) Mensageiro!

MAISIE - E o final desta matéria?

TELEFONISTA - "Morning Post". Redação? Um momento, vou passar a ligação.

WALTER - Se me procurarem, estarei no tribunal.

OFFICE-BOY - Elevador! Vou descer.

TELEFONISTA - Oi, Hildy.

HILDY - Oi, Magrela. Oi, Ruth. Oi, Maisie.

MAISIE - Oi, Hildy!

HILDY - O dono do mundo já chegou?

MAISIE - Já. De mau humor.

HILDY - Devem ter roubado as jóias da coroa.

MAISIE - Devemos anunciá-la?

HILDY - Não, eu mesma me anuncio. (a Bruce) Ele chegou. Espere aqui. Volto em 10 minutos.

BRUCE - É muito tempo para ficar longe de você.

HILDY - O que disse? Vamos. Diga.

BRUCE - Disse que é muito tempo para ficar longe de você.

HILDY - Eu tinha ouvido. Gostei, por isso pedi que repetisse. Posso ser mimada. O senhor que vou ver não é disso.

BRUCE - Gostaria de mimá-la. Não quer que eu vá junto?

HILDY - Eu me viro.

BRUCE - Se engrossar, estou aqui.

HILDY - Virei correndo. Oi, Jim.

Hildy vai andando em direção à sala de Walter enquanto cumprimenta a todos e todos sorriem para ela.

HILDY - Oi, como vai?

BEATRICE - Oi, Hildy.

HILDY - Oi, Beatrice. E os abandonados?

MULHER- Bem. Minha gata deu outra cria.

HILDY - Também tem culpa. É bom te rever. Como vai, Jim? Mildred, continua aqui?

HILDY entra na sala de WALTER e só depois bate à porta. Walter está de costas e não se vira.

LOUIE - Mais no queixo, chefe.

WALTER - O que quer?

LOUIE - Sua ex-esposa. Quer vê-la? Oi, Hildy!

HILDY - Oi, Walter. Oi, Louie. Como vai o rei do caça-níquel?

LOUIE - Não sou mais. Eu me aposentei. Entende?

DUFFY entra na sala:

WALTER - Estou ocupado.

DUFFY - Ouça, o governador não assinou a comutação da pena. Amanhã, Earl Williams morre e nós nos ferramos. O que vai fazer?

WALTER - Chame o governador ao telefone.

DUFFY - Não posso.

WALTER - Porque não?

DUFFY - Ele foi pescar.

WALTER - Há quantos locais de pesca?

DUFFY - Ao menos dois: O Atlântico e o Pacífico.

WALTER - Isso simplifica, não? Chame-o ao telefone.

DUFFY - Digo o quê?

HILDY - Silêncio, ele está pensando.

WALTER - Diga que, se comutar a pena, nós o apoiaremos para o Senado. Diga que o "Post" vai apoiá-lo.

DUFFY - Não pode fazer isso!

WALTER - Por que não?

DUFFY - Somos um jornal democrático há mais de 20 anos!

WALTER - Quando conseguirmos a comutação, voltaremos a ser democráticos. Ande logo. O jornal espera que os editores cumpram seu dever. Dê o fora também, Louie.

LOUIE - Certo, chefe.

HILDY - Vejo que continua o mesmo.

WALTER - É a primeira vez que traio um governador. Pois não?

HILDY - Posso me sentar?

WALTER - Há sempre uma luz para você na janela. Venha.

HILDY - Pulei dessa janela há muito tempo. (senta-se na mesa) Pode me dar um desses? (pega um cigarro) Obrigada. E um fósforo. (pega o fósforo que Walter lhe dá e o acende) Obrigada.

WALTER - Ora, ora, quanto tempo faz?

HILDY - O quê?

WALTER - Você sabe. Quando nos vimos pela última vez?

HILDY - Vejamos. Passei 6 semanas em Reno, depois fui às Bermudas. Uns 4 meses. Parece que foi ontem.

WALTER - Pode ter sido. Tem sonhado comigo?

HILDY - Não sonho mais com você. Você não me reconheceria mais.

WALTER - Reconheceria. A qualquer hora, em qualquer lugar

HILDY - Está se repetindo. Disse isso quando me pediu em casamento.

WALTER - Vejo que se lembra.

HILDY - Claro, ou não me divorciaria.

WALTER - Não deveria ter feito isso.

HILDY - O quê?

WALTER - Se divorciar de mim. Acaba com a autoconfiança. Dá uma sensação de não ter sido amado.

HILDY - Mas o divórcio é para isso.

WALTER - Bobagem. Acha que divórcios são para sempre até que a morte nos separe. Divórcios não significam nada. São apenas palavras murmuradas por um juiz. Temos algo que nada pode mudar.

HILDY - Acho que tem razão.

WALTER - Claro.

HILDY - Gosto de você, sabe.

WALTER - Muito bem.

HILDY - Queria que não fosse tão canalha.

WALTER - Latino, eu acho. Devia conhecer minha mãe...

HILDY - Por que prometeu não discordar do divórcio e fazer o possível para colaborar?

WALTER - Eu pretendia deixá-la ir, mas você não sente falta da água até o poço ficar seco.

HILDY - Um palerma como você, contratar um avião para escrever: "Hildy, não se apresse. Lembre-se da minha covinha, Walter." Atrasou 20 minutos o divórcio, enquanto o juiz foi olhar.

WALTER - Não quero me gabar, mas ainda tenho a covinha no mesmo lugar. Agi como qualquer marido que não quer ver seu lar desmoronar.

HILDY - Que lar?

WALTER - Lembra-se do lar que prometi?

HILDY - Claro que sim. Era o que teríamos logo após a lua-de-mel. Lua-de-mel!

WALTER - Tive culpa? Sabia que a mina ia desabar? Eu pretendia estar com você na lua-de-mel. Francamente.

HILDY - Em vez de duas semanas em Atlantic City com meu marido passei duas semanas numa mina de carvão com John Kruptzky. Não nega isso, não é?

WALTER - Eu me orgulho. Superamos todos com a matéria!

HILDY - É mesmo? Não casei para isso!

WALTER - De que adianta?

HILDY - Ouça, Walter, vim pedir que pare de ligar várias vezes por dia, de mandar telegramas...

WALTER - Escrevo lindos telegramas, não? Todos dizem.

HILDY - Vai escutar o que tenho a dizer?

WALTER - Ouça, para que brigar? Volte a trabalhar no jornal. Se conseguirmos nos dar bem nos casaremos de novo.

HILDY - O quê?

WALTER - Claro. Não guardo ressentimento.

HILDY - Você é maravilhoso de um modo odioso. Fique quieto e me deixe falar.

WALTER - Vamos almoçar.

HILDY - Já tenho compromisso.

WALTER - Desmarque.

HILDY - Não posso! Quer me soltar? Está brincando de osteopata?

WALTER - Calma.

HILDY - Ouça, você não é mais meu marido e nem meu chefe. E não vai ser meu chefe!

WALTER - O que quer dizer?

HILDY - O que eu disse.

WALTER - Não vai voltar para o jornal?

HILDY - Certo. Pela primeira vez hoje.

WALTER - Uma proposta melhor?

HILDY - Exato.

WALTER - Vai trabalhar com outro. É a gratidão que eu recebo!

HILDY - Pare de resmungar.

WALTER - O que era há 5 anos? Uma recém-formada em jornalismo. Peguei uma caipira bonita!

HILDY - Não me aceitaria se fosse feia.

WALTER - Por que deveria? Achei melhor ter alguém que não assustasse. Fiz de você uma grande repórter. Não seria boa em outro jornal. Precisamos um do outro, e o jornal precisa de nós! Vendido ao americano! Está bem!

HILDY - Ouça, por favor. O jornal terá de continuar sem mim e você também. Não deu certo.

WALTER - Teria dado se aceitasse ser apenas editora e repórter. Mas tinha de se casar comigo e estragar tudo!

HILDY - Eu não parece que fui eu que o pedi! Praticamente, ficou dois anos me olhando até eu terminar...

WALTER - "Oh, Walter!" E estava bêbado quando a pedi! Você devia ter esquecido, mas não! (Hildy atira algo nele, que desvia) Perdeu a pontaria. Já arremessou melhor. (atende o telefone) Alô? O quê? Sweeney, em que posso ajudar? Espere aí, é o Duffy. Não pode fazer isso comigo. Justamente hoje! O que houve? Ficou louco? Santo Deus! Ouça, isto não é hora... Está bem, eu acho. Se tem de ser assim! Tinha de ser. Que tal? Tudo me acontece. (desliga o telefone) 365 dias no ano, tinha de ser hoje!

HILDY - O que houve?

WALTER - Sweeney.

HILDY - Morto?

WALTER - O único que sabe escrever e resolve ter um bebê hoje!

HILDY - Não fez de propósito.

WALTER - Não interessa! Devia estar cobrindo Earl Williams e está andando no hospital! Não há honra neste país?

HILDY - Não tem mais ninguém?

WALTER - Ninguém que saiba escrever. Isso vai me ferrar, a menos... Hildy! Precisa me ajudar.

HILDY - Não, sem chance.

WALTER - (a alguém que entrou) Saia! Estou ocupado. (A Hildy) Por favor... Isso vai nos deixar unidos como éramos!

HILDY - É o que temo: "a qualquer hora, em qualquer lugar".

WALTER - Não deboche de mim! Não faça isso por mim, faça pelo jornal! Suma, Svengali. Se não por amor, por dinheiro. Dou mais US$ 25 por semana.

HILDY - Ouça, seu macaco cabeçudo US$ 35 e nem um centavo a mais! Vai me ouvir?

WALTER - Quanto o outro jornal ofereceu?

HILDY - Não há outro jornal!

WALTER - Então fica com o antigo salário. Tentando me chantagear! Estou ocupado!

HILDY - Dê uma olhada. Sabe o que é? Um anel de noivado.

WALTER - Anel de noivado?

HILDY - Tentei contar logo mas começou a divagar. Vou me casar e vou ficar o mais longe possível do jornalismo. Cansei!

WALTER - Pode se casar mas deixar o jornalismo, não.

HILDY - Por quê?

WALTER - Sei o que seria para você.

HILDY - O quê?

WALTER - Isso a mataria!

HILDY - Não vai me convencer disso.

WALTER - Você é um homem de imprensa.

HILDY - Por isso vou parar. Quero poder ser uma mulher.

WALTER - Uma traidora!

HILDY - Traidora de quê?

WALTER - Do jornalismo! É uma jornalista!

HILDY - Jornalista? E o que é isso? Espiar pela fechadura, acordar pessoas para perguntar se Hitler começará outra guerra? Tirar fotos de velhotas? Sei tudo sobre repórteres. Um bando de tontos correndo por aí sem um tostão e para quê? Para informar desocupados. Bom, eu... De que adianta? Você não sabe o que significa querer ser respeitável e ter uma vida mais ou menos normal. O fato é que cansei.

WALTER - Onde conheceu esse homem?

HILDY - Bermudas.

WALTER - Rico?

HILDY - Não é o que chamaria de rico. Ganha uns US$ 5 mil por ano.

WALTER - Trabalha em quê?

HILDY - No ramo de seguros.

WALTER - Seguros?

HILDY - É um negócio honesto, não?

WALTER - Claro que é. Também é emocionante, romântico... Não consigo imaginá-la cercada por apólices, apólices.

HILDY - Eu posso e eu gosto. Ele esquece o trabalho quando está comigo. Não me trata como um contínuo. Ele me trata como mulher.

WALTER - É mesmo? Eu a tratava como um búfalo?

HILDY - Não sei de búfalos, mas eu o conheço. É bom, gentil e atencioso. Quer um lar e filhos.

WALTER - Eu devia me casar com ele. Como se chama?

HILDY - Baldwin... Bruce Baldwin.

WALTER - Conheci um Baldwin. Ladrão de cavalos.

HILDY - Não pode ser o mesmo. Não se trata do homem com quem vou me casar amanhã.

WALTER - Amanhã? Tão cedo?

HILDY - Finalmente consegui contar o que queria. Acho que é só isso. Adeus, Walter.

WALTER - Adeus, Hildy.

HILDY - E mais sorte da próxima vez.

WALTER - Obrigado. Hildy, você me pegou de surpresa. Querida, desejo que tenha tudo que não pude dar. Esse outro cara, lamento não o ter conhecido. Sou meio exigente com quem minha esposa se casa. Onde ele está?

HILDY - Está aí fora, me esperando.

WALTER - Posso conhecê-lo?

HILDY - Não, não faria nenhum bem.

WALTER - Está com medo?

HILDY - Claro que não!

Walter e Hildy saem da sala e vão para o primeiro cenário.

WALTER - Então vamos conhecer esse modelo! Se é tão bom assim.

HILDY - É melhor!

WALTER - Então o que quer com você?

HILDY - Agora me pegou.

WALTER - Volto em uma hora. Desculpe. Acho que Bruce...

HILDY - Baldwin.

WALTER - ...abre as portas para você.

HILDY - Abre. E, comigo, tira o chapéu. E, ao andar, ele me espera.

WALTER - Nesse caso... Permita-me. Vejo que minha esposa escolheu o marido certo. Como vai?

DAVIS - Deve haver um engano. Já sou casado.

WALTER - Já é casado? (A Hildy) Hildy, devia ter dito. (a Davis) Parabéns de novo, Sr. Baldwin.

DAVIS - Não, meu nome...

BRUCE - Mr. Burns.

WALTER - Estou ocupado. Deixe um cartão com ele. Como disse?

BRUCE - Sr. Burns... Meu nome é...

WALTER - Outra hora. Estou ocupado com o Sr. Baldwin. Eu ia dizer que...

BRUCE - Meu nome é... Mr. Burns...

WALTER - O que há com você?

BRUCE - Sou Baldwin.

WALTER - Você é Baldwin? E quem é ele? Quem é você?

DAVIS - Meu nome é Davis.

WALTER - Sr. Davis, isto é da sua conta? Então não se meta nos meus assuntos. Que isso não se repita. (A Baldwin) Lamento o engano. É um prazer. Isso está errado. Bruce posso chamá-lo de Bruce? Somos quase parentes.

BRUCE - Sem dúvida.

WALTER - Minha esposa isto é, sua esposa quer dizer, Hildy, você me fez pensar que se casaria com um homem mais velho.

HILDY - É mesmo? E o que eu disse para que pensasse...

WALTER - Não se preocupe.... Entendo que não se referia à idade. Sempre carrega guarda-chuva?

BRUCE - Estava meio nublado de manhã.

WALTER - Certo. Galochas também, espero.

BRUCE - Um homem deve estar preparado para emergências.

HILDY - É melhor irmos andando.

WALTER - É mesmo. Aonde vamos?

BRUCE - Almoçar. Não disse a ele?

HILDY - Não.

BRUCE - Ela queria surpreendê-lo. Depois de você.

WALTER - Depois de você, Hildy.

Saem de cena, entrando no elevador.

INT. DIA - Restaurante.

HILDY - É perda de tempo. Não adianta.

WALTER - Não, estou achando ótimo.

HILDY - Olá, Gus.

GUS - Não me diga que é você, Hildy.

HILDY - Eu mesma. Como vão as coisas?

GUS - Não posso reclamar.

WALTER - Eu posso. Estou com fome. Um sanduíche de rosbife...

Bruce quase senta-se sobre Walter e muda de cadeira, ficando em frente a Hildy.

BRUCE - Desculpe.

WALTER - ...no pão branco. Ali, Bruce. E você, Hildy?

HILDY - A mesma coisa.

GUS - E o senhor?

BRUCE - Está bom para mim.

WALTER - E traga mostarda.

Gus, o garçom, sai de cena.

WALTER - Então vão se casar. O que está achando, Bruce?

BRUCE - É muito bom, sim, senhor.

WALTER - Arrumou uma ótima garota.

BRUCE - Eu sei. Tudo mudou para mim desde que a conheci. Não conheci ninguém como ela. Todas que conheci sempre dava para saber o que iam dizer ou fazer.

WALTER - Mas Hildy não é assim. Não se pode dizer isso dela.

BRUCE - Isso é bom.

WALTER - Também arrumou um homem de imprensa.

HILDY - Sem floreios, Walter.

WALTER - Dos melhores que conheci. Lamento muito vê-la ir embora.

HILDY - Espero que fale sério.

WALTER - É sério. Se quiser voltar para o jornalismo...

HILDY - Não vou. Apesar de tudo, eu só trabalharia para um homem.

WALTER - Eu a mataria se trabalhasse para outro.

HILDY - Ouviu, Bruce? É meu diploma.

BRUCE - Deve ser um negócio e tanto. Você quer mesmo parar?

HILDY - O que quer dizer?

BRUCE - Se tiver alguma dúvida ou se houver algo... Não, é a sua chance de ter um lar e ser como disse, um ser humano e quero que tenha essa chance. Claro.

WALTER - Eu não a deixaria ficar. Ela merece ter todas as coisas que não pude dar. Ela só queria um lar.

BRUCE - Vou tentar dar um a ela.

WALTER - Sei que vai. Onde vão morar?

BRUCE - Albany.

WALTER - Albany? Tem família lá?

BRUCE - Só minha mãe.

WALTER - Mãe? Vão morar com ela?

BRUCE - Só no primeiro ano.

WALTER - Isso vai ser bom. Um lar com uma mãe. E em Albany. É uma bela cidadezinha. É a capital do Estado.

WALTER - Eu sei. Estivemos lá uma vez. Vai esquecer a noite em que levou o governador para o hotel? Eu estava tomando banho. Saí sem a... Ela não sabia que eu estava na cidade. Como são os negócios lá? Melhores?

BRUCE - É uma boa cidade para seguros. Muita gente faz desde cedo.

WALTER - Posso entender.

BRUCE - As estatísticas mostram que...

WALTER - Tenho a sensação de que deveria ter feito seguro. Claro que não importa agora que Hildy e eu você sabe, nós... O que você acha? Mas teria sido uma boa idéia ter feito seguro.

BRUCE - Acho que sim. Estou num ramo que ajuda as pessoas. Não ajudamos muito enquanto está vivo, mas depois é o que conta.

WALTER - Claro.

Hildy chuta Walter.

HILDY - Desculpe, meu pé escorregou.

GUS reaparece.

GUS - Tudo bem. O que quer beber?

WALTER - Café.

GUS - Quer com rum? Está frio.

WALTER - Claro.

HILDY - Para mim também.

GUS - E o senhor?

BRUCE - Não, obrigado.

WALTER - Vamos, Bruce.

BRUCE - Preciso comprar as passagens, enviar a bagagem.

WALTER - Faça amanhã. Há muito tempo.

HILDY - Partiremos às 16 horas para Albany.

WALTER - Vão partir hoje às 16 horas? Daqui a duas horas. Não temos muito tempo. Ainda tenho que (derruba uma bebida em si mesmo) Vejam isso, me molhei todo!

HILDY - Não é novidade. Tome.

WALTER - Pode deixar.

Walter levanta-se e vai falar com Gus.

WALTER - Gus, me ajude aqui, por favor. Assim que eu voltar à mesa, me chame ao telefone. Está ótimo, Gus, obrigado.

Wlater volta à mesa e senta-se.

WALTER - Sinto muito. Que bobagem. Bruce, deixe-me entender. Devo ter entendido mal. Vão pegar o trem-leito hoje e se casar amanhã?

BRUCE - Não é bem assim.

WALTER - Como é?

HILDY - Pobre Walter. Vai passar a noite em claro. Conte logo que mamãe vai também.

WALTER - Sua mãe chutou o pau da barraca.

BRUCE - Não, minha mãe.

WALTER - Sua mãe! Isso me tranquiliza.

BRUCE - Foi cruel deixá-lo sofrer assim.

HILDY - O Walter não é adorável? Sempre tentando me proteger.

WALTER - Admito que não fui um bom marido, mas pode contar comigo.

BRUCE - Acho que ela não vai precisar. Pretendo protegê-la.

GUS - Sr. Burns, telefone.

WALTER - Para mim? Que estranho! Com licença.

Walter levanta-se e sai de cena.

BRUCE - Sabe, ele não é tão mau.

HILDY - Não, vai fazer alguma garota feliz. Muito feliz.

BRUCE - Ele não é o homem para você, mas gosto dele. É muito charmoso.

HILDY - É nato. O avô dele era uma cobra.

WALTER ao telefone.

WALTER - Alô, Duffy, escuta podemos impedir que o trem das 16h para Albany deixe a cidade?

DUFFY (VO) - Podemos dinamitá-lo.

WALTER - Podemos? Talvez não. Faça o seguinte: mande Sweeney sair da cidade por duas semanas. Mantenha sua camisa. Calma, Hildy vai voltar. Ainda não sabe, mas juro que vai ficar. Peça ao Louie para ficar no escritório. Posso precisar dele. Adeus.

Walter volta à mesa e senta-se.

WALTER - Más notícias.

HILDY - O que houve?

WALTER - O caso Earl Williams.

BRUCE - Li sobre o caso.

WALTER - Está feio.

HILDY - Quais são os fatos?

WALTER - Simples, querida. Ele perdeu o emprego, se descontrolou e matou o tira que quis acalmá-lo. Vão enforcá-lo amanhã.

BRUCE - Que absurdo! Seu jornal está do lado dele? Se ele estava descontrolado, por que apenas não o prendem?

WALTER - O tira era negro. Sabe como é.

HILDY - O voto dos negros é fundamental.

WALTER - A eleição é em 4 dias.

HILDY - O prefeito enforcaria a avó pela reeleição.

BRUCE - Mostre que não foi responsável.

WALTER - Não é tão fácil.

HILDY - Talvez não seja tão difícil.

WALTER - Como assim?

HILDY - Ele será examinado de novo antes de ser enforcado?

WALTER - Claro. Por um tal Egelhoffer. Dirá o mesmo que o resto.

HILDY - E se disser?

WALTER - Qual é o plano?

HILDY - Consiga a entrevista com Earl. Publique a declaração do perito. E junto, em coluna dupla, publique sua entrevista. "Médico diz que ele é são. Entrevista mostra que é louco." Você consegue. Pode salvar a vida desse coitado.

WALTER - Você podia... Não, você vai viajar. Esqueci.

BRUCE - Quanto tempo demoraria?

WALTER - Uma hora a entrevista, mais uma para redigir.

BRUCE - Podemos pegar o trem das 18 horas, se for para salvar uma vida.

HILDY - Não, se quiser salvá-lo redija você a entrevista.

WALTER - Sabe que não posso. É preciso um toque feminino.

HILDY - Não seja poético. Peça a Sweeney. É o melhor do jornal.

WALTER - Coitado. Duffy disse que a esposa teve gêmeos. Não é horrível? Ele saiu para comemorar e desapareceu. Sweeney tem gêmeos, e Earl será enforcado amanhã.

HILDY - Não é tão ruim...

WALTER - Discuta com ela ou irão para a lua-de-mel com culpa. Como serão felizes? Um homem terá morrido porque ela não pôde esperar duas horas! O rosto dele estará entre vocês no trem, no casamento e para o resto da vida!

HILDY - Pare! Que farsa! Acabei de me lembrar que Sweeney casou há 4 meses.

WALTER - Está bem, você venceu.

BRUCE - Então a esposa não teve gêmeos?

HILDY - Não, os gêmeos eram do Walter.

WALTER - Não foi nada. Vamos esquecer. Vamos recomeçar. Tenho duas propostas.

HILDY -Não interessa.

WALTER - Você se interessará, é esperto.

HILDY - Não ouça. Eu o conheço...

WALTER - Desculpe, estou falando com ele. Ouça, Bruce, convença-a a escrever a matéria, e eu comprarei uma apólice.

BRUCE - Não usaria minha esposa para fazer negócios.

HILDY - Espere um pouco. Walter, que apólice?

WALTER - US$ 25 mil.

HILDY - US$ 50 mil. Qual a comissão de US$ 100 mil?

BRUCE - US$ 1 mil, mas...

HILDY - O que tem de mais?

BRUCE - Eu não poderia...

HILDY - Nós podemos usar este dinheiro. Seria bom. Quanto tempo demora para examiná-lo?

BRUCE - O médico viria em 20 minutos.

Walter interfere.

HILDY (A Walter) - Fique fora disso. Faça com que ele seja examinado no escritório para ver como está a carcaça.

WALTER - Estou melhor do que nunca!

HILDY - Não tem do que se gabar. Vou trocar de roupa. Depois que pegar o cheque, me ligue. Estarei na sala de imprensa do prédio do tribunal. Faça um cheque visado.

WALTER - Acha que sou vigarista?

HILDY - Sim. Sem cheque visado, sem matéria, entendeu?

WALTER - Será visado. Quer digitais?

HILDY - Não, essas eu ainda tenho.

Walter vai ajudar Hildy a vestir o casaco, mas passa-o a Bruce e vai falar com o garçom.

WALTER - Quanto devo?

HILDY - Obrigada, querido. Desculpe. Quanto tem aí?

BRUCE - Tudo que temos: US$ 500.

HILDY - Deixe comigo.

BRUCE - Mas e as passagens?

HILDY - Eu compro. Sei o que estou fazendo. Ele vai fazer você jogar.

BRUCE - Eu não jogo!

HILDY - Muita gente não fazia nada até conhecer Walter.

BRUCE - Está bem, mas é tudo que temos.

HILDY - Eu sei.

WALTER - Tem troco para 10?

HILDY - Entende o que eu digo?

BRUCE - Dei tudo para Hildy. Só tenho...

WALTER - Vamos, Hildy.

HILDY - Eu não. Assine.

WALTER - Está bem. (Walter pega uma moeda de Bruce) Para o garçom.

HILDY - Venha, Bruce.

MORNING POST - Sala de imprensa / Pessoal jogando cartas e atendendo telefones.

REPÓRTERES - US$ 0,10.
Eu entro.
Eu passo.
Wilcox, 3400. Quantas?
Duas.
Não vai fazer nada, Ernie. O que há com vocês? Estão inválidos?
Só apostarei 20 centavos.

O telefone toca.

ENDICOTT - Sala da imprensa. Um momento. Alô? É McCue. Um momento. O quê? Não, eu disse que é a sala da imprensa. Jake, novidades. O médico de Nova York, Dr. Egelhoffer vai entrevistar Williams daqui a uma hora na sala do xerife. Deve ser o décimo. Se ele não era maluco antes ficará depois que esses médicos o analisarem. Sala da imprensa.

REPÓRTERES - Esse cara é bom?
Adivinhe você.
Foi enviado a Washington para entrevistar o Grupo de Peritos. E disse que eram sãos.
Esta é a situação na véspera do enforcamento.
Vou pegar bolo. Aqui é Murphy. Mais notícias do enforcamento.
Guarda dupla na prisão, edifícios públicos e terminais ferroviários como preparação para a esperada manifestação de radicais na hora da execução.
O xerife pôs mais 200 parentes na folha de pagamento para nos proteger do Exército Vermelho que deixará Moscou em minutos. Mas, quando a ameaça vermelha chegar mesmo o xerife estará dando alarme falso. O que tem?

ENDICOTT - Está bom?

HILDY - Parece bom daqui.

Hildy, quando voltou?

HILDY - Oi, Eddie.

REPÓRTER - Que bom te ver.

OUTRO REPÓRTER - Onde arrumou o chapéu?

HILDY - Custou US$ 12.

REPÓRTER - De volta ao trabalho?

HILDY - Só vim me despedir. Vou trabalhar por conta própria.

REPÓRTER - Fazendo o quê?

HILDY - Vou me casar amanhã.

REPÓRTER - De novo? Estamos convidados?

HILDY - Posso usá-lo como dama de honra. Como vai, Murphy?

REPÓRTER - Por que vai se casar?

HILDY - Não é da sua conta.

REPÓRTER -- Está nos enganando?

HILDY - Vejam o que eu trouxe. 3 passagens pra Albany no trem das 18 horas de hoje.

REPÓRTER - Três?

HILDY - Para mim, meu noivo e imaginem, sua doce mãezinha.

REPÓRTER - Que casamento é esse?

HILDY - Vai dar certo. Vou me acomodar. Cansei do jornalismo.

REPÓRTERES - Imaginam Hildy cantando canções de ninar e pendurando fraldas?
- E fofocando no quintal?

HILDY - Despeitados.

REPÓRTER - Vai cansar de bater tapetes.

HILDY - Não vou bater (barulho) Vem da escola, não? Não há ninguém lá agora.

REPÓRTER - E daí? Largou tudo. Não tinha cansado?

HILDY - Só achei que podia ser incêndio. O que é isso?

REPÓRTER - Treino para a festa de amanhã.

REPÓRTER - Perderá um belo enforcamento.