30.6.09

continuação


DISSOLUÇÃO/ SALA DE ESTAR THANE

FOCALIZA A MESA DE CENTRO. THANE COLOCA SOBRE ELA UMA BANDEJA COM FRUTAS E UM MONTE DE COISAS, BEM DECORADA.

THANE - Eu espero que você goste.

RAY - Ah, mas isso é excelente. Muito obrigado. (serve-se de um pedaço) Ahn, o senhor já tem algum tipo de seguro?

THANE - Ah, não vamos falar disso agora. Sabe, deve ser fascinante o que você faz.

RAY - Ah, é. Eu acho que é, é isso...

THANE - Ah, está sendo modesto. Eu aposto que há todo tipo de pessoas que invejam você e você nem sabe disso.

RAY - Eu não sei nada sobre isso...

THANE - Ah, claro que sabe, você tem a vida, a vida dos sonhos. Você é capaz, realmente, de ir de porta em porta ajudar as pessoas e ainda ganhar com isso.

RAY - Eu acho que é isso mesmo.

THANE - É claro que é. E o mais bonito é que é o tipo de ocupação sem preocupação com ganância, nem interesse egoísta ou uma atitude de fazer tudo o que pode só para as pessoas comprarem o que não querem ou nunca vão usar; e brincando com os medos inerentes das pessoas ou fobias só para ganhar um trocado. Você não faz isso e eu acho você ótimo.

RAY - Bom, obrigado.

THANE - Não precisa. Agora, se não se importa, por favor, diga exatamente que tipo de apólices você tem.

RAY - Eu tenho de todos os tipos.

THANE - Ah, que ótimo!

RAY - Atualmente o senhor tem algum tipo de seguro?

THANE - Não, nenhum.

RAY - E por que não tem?

THANE - Bom, eu, eu ainda não pude pagar por um, mas eu acabei de receber uma boa herança. Para ser sincero, é tanto dinheiro que eu nem sei o que fazer com ele, então para mim é uma grande oportunidade.

RAY - Uma decisão sábia. O que acha de um seguro de vida?

THANE - Ah, eu quero.

RAY - (mostrando um papel a Thane) Ótimo! Há essas quantias diferenciadas de cobertura.

THANE - (Thane aponta para uma) Eu quero essa.

RAY - Essa é a mais alta.

THANE - O seguro morreu de velho. Acha que eu deveria ter uma mais baixa, talvez para economizar o meu dinheiro?

RAY - Não, eu acho que é melhor o senhor seguir o seu primeiro instinto. Ah, o senhor tem seguro de aluguel?

THANE - Não, mas eu gostaria.

RAY - Ótimo, ótimo.

THANE - Eu devia fazer um seguro de carro também, eu não sinto orgulho disso, mas venceu há uns dois meses, né... Você sabe como é.

RAY - É, eu entendo. Acontece com qualquer um.

THANE - Só uma coisa. Tem algum limite legal quanto ao número de seguros?

RAY - Não, não há nenhum limite.

THANE - Ótimo.

RAY - É, na verdade, eu não tenho todos os papéis necessários para todas as apólices diferentes. Teria tempo de ir até o escritório só por alguns minutos?

THANE - É claro.

RAY - Fantástico.

THANE - E eu não gostaria de adiar isso por muito tempo. Sabe como é importante ter seguros.

RAY - É claro que eu sei. Podemos ir agora mesmo.

THANE - Ah, eu tenho um compromisso em alguns minutos, mas se prometer ficar no escritório, eu posso estar lá em 45 minutos.

RAY - Isso seria perfeito. Eu posso preparar tudo.

THANE - Ótimo.

AMBOS SE LEVANTAM E VÃO SE DIRIGINDO À PORTA.

RAY - Eis o meu cartão.

THANE - (lendo o cartão) Ray. Fantástico, Ray.

RAY - E qual é o seu nome?

THANE - Thane. Thane Furrows.

RAY - Thane, eu te vejo em 45 minutos, Thane.

RAY JÁ DO LADO DE FORA.

THANE - Ótimo. Ah, Ray, só uma coisinha.

RAY - Claro, qualquer coisa.

THANE - Só tem um pequeno problema em fazer seguro com você.

RAY - Oh, e o que é?

THANE - Eu preferia estar morto!

THANE MAL TERMINA DE DIZER ISSO E BATE COM A PORTA NA CARA DO SUJEITO, QUE PERMANECE ESTACADO LÁ FORA, SEM REAÇÃO. THANE VOLTA PARA A SALA.

THANE - Odeio vendedores! Sempre odiei vendedores, sempre vou odiar vendedores. Eles são a última escória da Terra. Odeio estar perto deles. Prefiro escovar os dentes e beber suco de laranja. A única coisa que querem é enganar as pessoas e fazê-las ter medo de não comprar. Isso me irrita! Geralmente não me irrito com facilidade, mas isso parece que vai direto ao fundo.


INT. DIA - SALA DE ESTAR

THANE PERTO DA SALA, PEGANDO A CORRESPONDÊNCIA COM UM INSTRUMENTO DE LONGO ALCANCE.

THANE - Todos os anos, oito pessoas morrem por causa de cartas-bomba. Seis dessas oito sempre gostavam dessas cartas. Não sou paranóico, mas certamente eu não quero abrir um cartão de natal e passar o resto da vida como um quadro na parede de um estudante de biologia. (guarda o treco embaixo do sofá e começa a ler uma carta. BG engraçado) Eu odeio isso. Esse é um daqueles anúncios onde querem que você pense que é a carta de um amigo, então compram um computador, colocam o seu nome na cópia e ficam se referindo a você pela carta toda. Olha só isso. Sabe, eu fico pensando que palavra foi colocada aqui. Deve ser uma carta pessoal... (finge surpresa) Para mim! (começa a ler em voz alta) "Olá, T. Furrows. Gostaríamos de apresentar o mundo maravilhoso das hipotecas" E é muito realista, porque muitos amigos meus me chamam de T. Furrows. Ah, tem outra! "Boas notícias, T. Furrows! Três dessas quarto pessoas já ganharam cem mil dólares: sra. Beatriz Daniels; sr. Arthur Bennet; Layla Berrish e T. Furrows!" Puxa… "Qual será desses quatro que vai ser o grande perdedor aqui?". "Serviço de encontros. Por que será que quando há milhares de pessoas solteiras elegíveis nesta área, passamos tanto tempo sozinhos ou em relacionamentos de conveniência?" (dá de ombros e continua a ler, fingindo interesse) "Seu nome pode ter sido recomendado por um membro existente ou pode ter sido um dos escolhidos da lista que usamos para procurar pessoas de qualidade." Legal... Então você paga um monte de dinheiro para ir para este pequeno escritório e observar um monte de perdedores em videotape que também são idiotas o bastante para pagarem um monte de dinheiro. Então, saem num encontro de perdedores e, é claro, você se diverte realmente porque... São perdedores! Então você se casa e aí tem dois filhos, mas numa noite está assistindo TV e aparece um seminário de imobiliárias. Diz que você pode ganhar um milhão de dólares em menos de um ano. Então vocês dois conversam e decidem que é uma ótima jogada. E você investe todas as suas economias e... Perde tudo! E sabe por que? Porque você baseou todo o seu relacionamento e a sua vida no fato de que você responde instantaneamente para anúncios falsos. Mas não é essa a catástrofe. A catástrofe é... que você tem filhos, pequenos perdedores. Você criou uma nova raça incrivelmente ingênua de seres de quem se aproveitam pelo resto da vida e aí eles vão encontrar outros perdedorezinhos em outro serviço de encontros por vídeo e depois de algumas gerações, a evolução vai assumir e haverá uma nova raça patética de pessoas que só vão ser capazes de dizer sempre "OK" e assinar cheques! E tudo porque você pensou que tinha sido escolhido por uma boa companhia honesta de encontros, procurando pessoas de qualidade, como você para serem honestas também. (Thane chacoalha a correspondência, da qual cai um papel. Silêncio, pára a música. Thane lê) "Só para lembrar: oito horas". O que que é isso? O que deve significar? É alguma piada? Alguém deve ter colocado isso na minha correspondência. (Thane pega outro envelope e o lê) "Emily Branch" (joga a carta na lixeira, sem abrir) Ela ainda escreve para mim. Já faz quatro anos e ela ainda escreve. Relacionamentos. Nem deviam se chamar relacionamentos. Deveriam ter um nome mais descritivo como "A Terra da Dor", sei lá. Pode estar loucamente apaixonado por alguém e fazer tudo dentro do seu poder para dar certo e então, de repente, não estão interessadas! Sem problema! Você junta os pedaços e, quando você finalmente consegue tirá-las do seu sistema para poder continuar meio infeliz com sua vidinha semidestruída, elas querem voltar. É como se o único pré-requisito para adquirir a devoção delas é não querer ou não precisar delas. Ela ainda me escreve... Mas eu não vou ler a carta. Eu não vou ler! Nem pensar nisso. (pega a carta da lixeira, mas não abre) Escuta, qual é a motivação de tornar a vida de alguém miserável? E, assim que consegue viver sem querer morrer, aí aparece de novo no pedaço. Olha, parece que soube que sua vida estava indo muito bem. "Sabe, eu achei que nós podíamos recuperar nossa antiga paixão, quem sabe?!" "Escuta, você me ama mais do que qualquer outra coisa e eu não dou nada em troca e finjo não ligar. Eu acho que eu era muito mais feliz quando a vida era assim." Ah, e também tem aquelas que saem com você durante vários anos e então dizem: "Vamos ser só amigos?" E aí ficam chocadas porque você fica arrasado. "Vamos ser só amigos?"... é como a sua mãe chegando perto de você e dizendo: "Querido, eu ainda amo você, mas estamos em público, não me chame de mamãe, me chame de Marge." Vamos ser só amigos?... Aliás, o que é o cenário perfeito para elas, quer dizer: "Eu não quero ter mais nada com você, mas seria muito conveniente para mim se eu não sentisse tanta culpa e você ainda estivesse do meu lado se eu precisasse conversar ou ter você para resolver minha vida." Bom, eu acho que não. Definitivamente, eu acho que não. (Joga a carta fora. O telefone toca) Eu preciso de um número fora da lista. (ele chega perto do aparelho, mas não o atende.) Checando... (Ouve-se a voz de Thane na gravação da secretária: "Por favor, não deixe um recado, só se for vital" Beeeeep!

MÃE (em off) - Thane, você está aí? Pega o telefone, Thane. Ah, é tão bom ter o dia todo livre! O dia todo só para ficar sentada relaxando. Quanto tempo tem essa fita?

(THANE ATENDE O TELEFONE; TELA DIVIDE-SE EM DUAS PARTES. THANE ANDA PELO QUARTO ENQUANTO FALA)

THANE - Oi, mãe. 

MÃE - Ah, oi, querido. Eu tive um palpite que ia estar aí. Você tem comido direito? Como é que vai sua dieta?

THANE - Eu não estou de dieta.

MÃE - Sabe o que eu quis dizer. Você não come direito e se não come direito, vai ficar doente. Olha, eu estava lendo uma revista e nela dizia que o repolho pode evitar o câncer. Tem comido repolho, meu filho?

THANE - Isso é tão esquisito, mãe. Tem um prato bem na minha frente agora!

MÃE - Não banque o espertinho!

THANE - Mamãe, eu não sei o que é pior: ter câncer ou ter que comer repolho o tempo inteiro.

MÃE - Isso não é engraçado, isso é sério. Eu estava conversando com a Elise, ela me disse que filho dela, o Bruno. Sabe o Bruno, o que tem aquela coisa grande no nariz? Eu não sei porque nunca removeram aquilo do rosto do coitado. Parece até que alguém atirou uma batata e ela grudou. Mas, enfim, a Elise me contou que o Bruno não estava se sentindo bem e o médico disse a ele...

A MÃE DELE CONTINUA A FALAR, MAS NÃO SE OUVE SUA VOZ. THANE COBRE O BOCAL COM UMA MÃO.

THANE (olhando para a câmera) - Ela fala durante horas, não importa sobre quem, ou sobre o que, ou sobre porque, desde que haja algum tipo de volume saindo dos lábios dela, ela fala.

MÃE - (falando mais alto)... Problemas muito sérios...

THANE - Há muitas pessoas como a mamãe, eu não sei. É, elas falam, falam vão sugando a sua vida, vão drenando você como um vampiro.

THANE PEGA O RÁDIO-DESPERTADOR QUE ESTÁ PERTO DA CAMA, SENTA-SE, COLOCA-O PERTO DO BOCAL DO TELEFONE E APERTA PLAY NUMA FITA COM A VOZ DELE, QUE FICA REPETINDO SEMPRE "É, É... SIM, ISSO... HMM..."

MÃE - Não me entenda mal, Thane, não estou querendo irritar você, só que eu me preocupo. Tudo o que você faz é comer cereais. Uma pessoa precisa mais que isso.

THANE - Eu deveria estar trabalhando. É, eu já passei do prazo do novo livro e se eu não entregar logo ele a diabinha vai tornar a minha vida um inferno. Sabe, eu cumpriria os prazos se não vivessem rejeitando todos os projetos que eu entrego. É como... como se não tivessem nada melhor para fazer do que pensar em motivos porque eu deveria trabalhar mais. È algum tipo de prazer sádico, sabe? Eu trabalho num projeto durante três dias, refaço por mais dois e aí entrego e todos dizem: "Puxa, isso não é sensível para crianças. É assustador demais! Totalmente, totalmente exagerado!"

DE REPENTE, O DESPERTADOR DISPARA, JORRANDO MÚSICA ALTA NOS OUVIDOS DA MAMÃE. THANE O DESLIGA RAPIDAMENTE E VOLTA O FONE AOS OUVIDOS.

MÃE - O que foi isso?

THANE - É... é, o despertador disparou, mamãe.

MÃE - Ele estava no seu pescoço?

THANE - Não, não, eu estava deitado do lado dele.

MÃE - Deitado? Mas é quase uma hora da tarde, não pode ficar deitado agora, só algumas...

A TELA VOLTA SER SÓ DE THANE.

MORTE (em off) - Algumas horas até as oito.

THANE - Mamãe?

COMO NÃO OBTÉM RESPOSTA, THANE LIGA DE VOLTA. ELA ATENDE PRONTAMENTE E A TELA VOLTA A SE DIVIDIR EM DUAS PARTES.

MÃE - Alô.

THANE - Por que desligou?

MÃE - Eu não desliguei, cortaram a ligação. 

THANE - O que você disse sobre oito horas?

MÃE - O que?

THANE - Disse alguma coisa sobre oito horas.

MÃE - Não, eu não disse. Você está bem?

THANE - Mãe, escuta, mãe, eu tenho que desligar, tá? Tem alguém na porta, eu falo com você depois. Tchau.

THANE DESLIGA O TELEFONE ENQUANTO ELA PERGUNTA "VOCÊ QUER QUE EU VÁ ATÉ AÍ?" THANE OLHA O RELÓGIO, QUE MARCA 12H43.

THANE - 12h43. Isso, isso é loucura! Eu tenho que começar a trabalhar. (Thane senta-se à escrivaninha) Por que eu tenho que agradar às outras pessoas com meu trabalho? Puxa! Eu só trabalho horas incontáveis sobre um projeto valioso só para vê-lo recusado. E quem é que perde aqui? Sou eu? Não, não sou eu: são as crianças, as crianças é que perdem. Informações valiosas e crescimento mental cortados porque alguém não teve a visão de sentir a necessidade. Ó, olha aqui, eu vou mostrar. (pega um livro e mostrar a câmera) Olha aqui o que recusaram, ó: "Quem é meu pai". É um livro que faz mais do que matar o tempo, ajuda as crianças a acharem os sintomas. Se a mãe está sendo infiel... Ah, olha outro aqui, ó. Quer ver? Não, não, não, não, não, isso não. Interpretaram mal este aqui. A minha intenção aqui era ter um manual de instrução que até uma criança poderia entender, só para ser usado em circunstâncias graves. O nome dele é "Como ligar o carro da família". É como se alguém engasgasse com um osso de galinha e precisasse ser levado para o hospital, mas não tem um adulto por perto. O que você vai fazer? Deixar que morra? É, é, eu acho que algumas pessoas provavelmente deixariam. Esse... é o meu maior orgulho. Ainda nem contei a eles sobre isso. É um livro para cima, o meu primeiro. Se chama "O que aconteceu com vovó?" Bem, esse é apenas um dos títulos dele. Esse livro lida com a morte de um ser amado, mas o mais bonito é o que você vê quando abre o livro. (Thane abre e surge uma velhinha num caixão em relevo). Agora, como pode ser um momento muito sério e traumático para as crianças, este livro ajuda a mostrar que a vovó não se foi para sempre, ela está só se mudando sem o seu corpo. Também ressalta a possibilidade real de que, com um acidente de carro eles também podem chegar lá. Mas, não tem esperança e provavelmente vão rejeitar este também. E sabe por que? Porque estão tentando manter as crianças com a mente embotada. Estão tentando bloqueá-las para que não tenham a possibilidade de pensar sozinhas. Pensar, pensar que o futuro de centenas de milhares de crianças (trilha engraçada recomeça a tocar) está sendo programado para fazerem e pensarem o que o Grande Irmão diz a elas. Isso, isso me deixa completamente doente. E não tenho a menor intenção de participar mais na vegetação da jovem mente. Eu não vou fazer isso, eu não vou participar disso! (Thane atira o livro para longe e este cai atrás do sofá. Tenta pegá-lo, mas não o alcança) ótimo. Droga! 

THANE SE ESTICA E CONSEGUE PEGÁ-LO, SÓ QUE UMA MOSCA APARECE E FICA RODEANDO-O COM AQUELE ZUNIDO E O LIVRO ACABA CAINDO ATRÁS DO SOFÁ NOVAMENTE. THANE TENTA O PEGAR, MAS DESTA VEZ O LIVRO CAI MAIS LONGE. ELE PEGA UM PEDAÇO DE ARAME, MAS AINDA NÃO O ALCANÇA. ENTÃO ELE FAZ UMA ENGENHOCA COM UMA MÃO ARTIFICIAL E UMA LANTERNA NA PONTA.

THANE - Agora eu vou te pegar.

THANE USA A ENGENHOCA E, QUANDO ESTÁ QUASE LÁ, SURGE MELANIE, DO OUTRO LADO DO SOFÁ, QUE PEGA O LIVRO. 

THANE SE ASSUSTA COM A SURPRESA DESAGRADÁVEL.

MELANIE - A porta estava aberta, por isso eu entrei... Estava tentando pegar isso?

THANE - Não, não, eu tava brincando.

MELANIE - Brincando... Brincando, ele diz... (joga o livro sobre a mesa de centro) Ele tem três prazos sobre a cabeça dele e estava brincando. (senta-se numa poltrona) Acho bom pensar melhor, moço. Você está andando na corda bamba. Eu não tenho gostado do seu trabalho ultimamente e se não me apresentar alguma melhoria, vamos ter todos os tipos de problemas. Esse tipo de trabalho não nasce em árvore, sabia? (abre a bolsa e acende um cigarro) Tem muita gente de talento por aí que mataria para estar no seu lugar. Tudo foi muito fácil para você no passado e se quer saber, acabou prejudicando você. O seu problema é que você não é um trabalhador dedicado. Eu preciso de um cinzeiro.

THANE - Eu não tenho.

MELANIE - Então eu vou usar isso aqui (ela despeja as cinzas do cigarro num copo próximo à mesa) É muito importante que se torne um trabalhador dedicado, Thane. Seu futuro está na Livros Shan-gri-la, depende disso. Você precisa pensar muito bem nisso, Thane, seu futuro está em jogo. Eu estou dizendo, Marvin não vai gostar disso.

THANE - Sabe, Marvin não daria a mínima para isso e Marvin não teria entrado na minha casa (ao observar a expressão de bruxa das trevas dela, Thane se esforça para conter sua raiva)...só se a porta estivesse aberta, é claro. Ele teria entrado sozinho, quer dizer, quem não teria?

THANE NUM CENÁRIO COM FUNDO PRETO, NA MESMA POLTRONA 

THANE - Eu não suporto, eu não suporto! Eu sou um rato. Diz logo para ela! Por que não manda ela embora? Eu vou perder meu emprego. Não, não, eu não quero perder meu emprego. Isso é um pesadelo! Agora eu só vou ficar sentado e nunca mencionar o fato de que ela é uma pessoa horrível, não importa o que ela diga. Eu não acredito nisso, eu queria estar morto!


INT. DIA - LOCAL

VOLTA A MESMA CENA.

MELANIE - Eu vou te dizer uma coisa. Eu to muito cansada das pessoas incompetentes no escritório. Só estou cercada de incompetência! Mas não me entenda mal, Thane, você não é totalmente incompetente. É claro, precisa de muito trabalho, mas quem não precisa? Tudo é criação. Eu sou uma pessoa de sorte. Olha as minorias, por exemplo. Não são inferiores porque são geneticamente diferentes. São inferiores por causa da criação. 


THANE NUM CENÁRIO COM FUNDO PRETO.

THANE - Como pode... Como pode ouvir uma afirmação dessas e ficar parado? Ah, puxa, eu sou um desastre. E... eu não posso lidar com isso! O que eu estou dizendo? O que eu estou dizendo? Um emprego é tão importante que precisa sacrificar sua integridade? Eu não vou aceitar, eu não vou aceitar! Espera um pouco, espera um pouquinho aí. Você está errada. Você é uma racista e está errada! Eu lamento se você quer me despedir porque eu não concordo com as suas afirmações preconceituosas, tudo bem, tá bom! Mas o que você disse está errado! Isso pareceu muito? Eu vou tentar isso.


INT. DIA - SALA ESTAR APARTAMENTO THANE

MELANIE - Estava observando no noticiário um desses comícios pela liberdade em algum país atrasado, eu não tenho certeza qual, e comecei a pensar o quão terrível pode ser a liberdade. Nosso país poderia aprender alguma coisa com isso. As pessoas que tomam as decisões deveriam ser aquelas que são mentalmente capazes. Não pode dar ao público em geral a voz sobre o que acontece, não são capazes de tomar uma decisão inteligente. Há poucas pessoas espertas e sábias o suficiente para tomar essas decisões e poderíamos avaliar o valor de uma pessoa pela sua renda. Acho que só poderia votar se ganhasse, por ano, digamos, mais de 200 mil dólares. Isso é bom senso, não concorda? Thane, não concorda?

THANE - (distraidamente) É... bom... É.


THANE NO CENÁRIO PRETO.

THANE - AAAHHHHHH!! Eu não acredito! Como eu pude concordar com ela? Eu não tenho desculpa, eu deveria ser morto. Eu devia ser esfolado vivo e depois jogado sobre o sal.


INT. DIA APARTAMENTO THANE - MESMAS POSIÇÕES

MELANIE - Agora, sobre o seu trabalho. Ultimamente não tem sido muito bom. Parece que está usando táticas não convencionais que, sinceramente, são péssimas. Eu vim pegar seu novo livro do qual tem feito tanto segredo. Está terminado?

THANE - É, é... Tá terminado. Está na sua frente.

MELANIE - (pegando o livro) O que estava fazendo atrás do sofá?

THANE - É uma longa estória.

MELANIE - (lendo a capa) "Adeus, vovó".

THANE - É um título provisório. Também andei pensando no "O que aconteceu com vovó?"

MELANIE - (sorrindo, talvez pela primeira vez na vida) "Adeus, vovó". Taí, gostei.

THANE - Mas a melhor coisa é que é em alto-relevo.

MELANIE - (seu sorriso se desvanece e joga o livro de volta na mesa) Não fazemos alto-relevo.

THANE - É uma coisa nova.

MELANIE - (pega o livro de volta, reconsiderando) Tá, alto-relevo... (abre o livro e se assusta, jogando o no chão) Ahhhh! Mas o que é isso? É doentio! Não podemos vender isso!

THANE - Por que não?

MELANIE - Porque não é bonito!

THANE - É claro que não, a Morte raramente é.

MELANIE - Morte? Por que está escrevendo sobre a Morte? São livros para as crianças! A Morte é a última coisa que passa pela cabeça delas. Por que não escreve sobre coelhinhos?

THANE - Eu não quero escrever sobre coelhinhos.

MELANIE - Olha só o Murray Craig.

THANE - Por favor, não me fale em Murray Craig.

MELANIE - Murray Craig é o nosso melhor escritor.

THANE - (semigritando) Eu sei que Murray Craig é o melhor escritor, sei que Murray Craig ganha muito dinheiro, mas Murray Craig tem a mente de uma ostra!

MELANIE - Os livros dele vendem!

THANE - Não é criativo!

MELANIE - Ele é criativo, sim! Ele é o inventor do Molusco Feliz.

THANE - Por favor, por favor, não fale no Molusco Feliz!

MELANIE - O Molusco Feliz é e tem sido nos últimos dez anos nosso best-seller no mercado. Todos adoram o Molusco Feliz. As crianças adoram o Molusco Feliz, os pais adoram o Molusco Feliz, meu marido e eu adoramos o Molusco Feliz!

THANE - É um conceito idiota!

MELANIE - Não é um conceito idiota!

THANE - É um molusco! Um molusco! Você poderia escolher uma coisa mais distante, mais sem sentimentos, totalmente não emocional? Ora, não tem aspectos distintos, absolutamente nenhuma inteligência mensurável. São nojentos, são gosmentos! Ah! (corre até sua estante e pega um livro do Molusco) Olha só, olha só isso aqui: tem pernas saindo da concha. Está de lado e, é claro, um chapéu. Um molusco com um chapéu! (teatralizando) "Ah, olha só, querida. Os moluscos vieram jantar. Olá, senhor Molusco, o senhor quer que eu guarde o seu chapéu?" O Molusco Feliz é uma criação idiota, não tem nada, nada de chamativo sobre ele, não tem nada de redentor sobre ele. Ele representa tudo o que eu odeio, tudo o que eu odeio na minha vida. Eu sempre odiei, sempre vou odiar, eu odeio o Molusco Feliz! Odeio!

MELANIE - Eu não vou ficar sentada aqui ouvindo você difamar o Molusco Feliz! Se você está querendo perder o seu emprego, moço, está no caminho certo. Esta companhia foi fundada há doze anos e, graças à criação do Molusco Feliz do Murray, durante os últimos dez anos, tem demonstrado um excelente lucro. Então, pode não gostar do Molusco Feliz, mas o Molusco Feliz paga as contas. E, goste você ou não, se não fosse pelo Molusco Feliz, VOCÊ NÃO TERIA UM EMPREGO!

THANE - (encabulado) Talvez eu tenha sido meio duro. Eu peço desculpas, me desculpe. Eu esqueci... Esqueci o uso-chave do Molusco Feliz. (retomando a raiva redentora) Esqueci que o Molusco Feliz poderia ser enrolado numa pequena bolinha e enfiado na sua goela abaixo! Foi isso o que esqueci. Ah, que bobagem! E quanto à sua companhia existir há doze anos, como deve saber, há dois anos só tem estragado as coisas. E agora, agora... bom, agora vamos analisar como ela conseguiu o emprego. Ela se formou na faculdade? NHAMMMMM! Ela estudou só arte durante longas horas? NHHHAAMMMM! Ah, então certamente ela herdou o negócio do pai. NHÁMMMM! Sabe como ela conseguiu o emprego? Ela dormiu com o chefe! Foi assim que ela conseguiu. (Melanie se levanta e se dirige à porta, em silêncio) Ah, não... Tão rápido? Por favor, volte. Eu adoro essas conversinhas que temos, você pode ficar mais tempo. (Melanie sai) Mas o que foi que eu fiz? Meu emprego! AHHHH! Eu... eu não gostava desse emprego mesmo... (senta-se na poltrona em que ela estava) Fumantes... Não há desculpa para se fumar. Eu não suporto a fumaça! Um hobby que faz você morrer. Sabe, é o equivalente a sempre carregar pedrinhas de sal com pedacinhos de cianureto. "O que você está fazendo?" "Nada, nada, é só um hobby. (cheira) Ahnn, eu estou ficando tonto...?" E aquelas pessoas que dizem que vão parar e você as encontra uma hora depois com uma guimba pendurada na boca. E se Ghandi tivesse essa força de vontade? (imitando Ghandi) "Eu não comerei até que exista liberdade e independência... O que é isso, um biscoito?" E se o cirurgião geral precisasse imprimir para que você entendesse. "AVISO: Se você fizer isso, você vai morrer. MORRER! Entendeu? Morrer. Mortinho da Silva. Você não vai mais viver. Você vai tirar um cochilo. Vai fazer uma visita pessoal diretamente ao Elvis. Você vai acabar. Seus amigos não vão mais poder visitar você. Sua correspondência vai parar de chegar. Você estará morto. Aeróbica estará fora de questão. Os vermes vão sentir uma nova e súbita atração por você. Se você fizer isso, VOCÊ VAI MORRER!" Mas ainda não vai dar certo e sabe por que? Porque eles vão dizer: "Bom, o meu avô fumou três maços de cigarro por dia e viveu até os 93 anos." É, esqueceu de dizer que ele tinha só um pulmão, respirava como uma foca e não podia dizer nem quem ele era. Puxa, que vida!